A CAMINHO DA
LUZ
(Obra
Mediúnica)
FRANCISCO CÂNDIDO
XAVIER
A Caminho da Luz
História da
Civilização à Luz
do Espiritismo
Ditada pelo Espírito
EMMANUEL
(De 17 de agosto a 21
de setembro de 1938)
FEDERAÇÃO ESPÍRITA
BRASILEIRA
DEPARTAMENTO EDITORIAL
Rua Souza Valente, 17
20941-040 - Rio - RJ -
Brasil
ISBN 85-7328-069-7
22ª edição
Do 219º ao 243º
milheiro
Capa de CECCONI
B.N. 7.362
571-AA;000.52-O;
8/1996
Copyright 1939 by
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BRASILEIRA
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Espiritismo)
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7
Índice
Antelóquio 11
Introdução 13
I - A GÊNESE
PLANETÁRIA A Comunidade dos Espíritos Puros. - A Ciência de todos os tempos. -
Os primeiros tempos do orbe terrestre. - A criação da Lua. - A solidificação da
Matéria. - O Divino Escultor. - O verbo na criação terrestre. 17
II - A VIDA ORGANIZADA
As construções celulares. - Os primeiros habitantes da Terra. - A elaboração
paciente das formas. - As formas intermediárias da Natureza. - Os ensaios
assombrosos. - Os antepassados do homem. - A grande transição. 25
III - AS RAÇAS
ADÂMICAS O Sistema de Capela. - Um mundo em transições. - Espíritos exilados na
Terra. - Fixação dos caracteres raciais. - Origem 33
8
ÍNDICE das raças
brancas. - Quatro grandes povos. - As promessas do Cristo.
IV - A CIVILIZAÇÃO
EGÍPCIA Os egípcios. - A ciência secreta - O Politeísmo simbólico. - O culto da
morte e a metempsicose. - Os egípcios e as ciências psíquicas. - As Pirâmides -
Redenção. 41
V - A ÍNDIA A
organização hindu. - Os arianos puros. - O expansionismo dos Árias. - Os
Mahatmas. - As castas. - Os rajás e os párias. - Em face de Jesus. 49
VI - A FAMÍLIA
INDO-EUROPÉIA As migrações sucessivas. - A ausência de notícias históricas. - A
grande virtude dos Árias europeus. - O Mediterrâneo e o Mar do Norte. - Os
nórdicos e os mediterrânicos. - Origem do racionalismo. - As advertências do
Cristo. 57
VII - O POVO DE ISRAEL
Israel. - Moisés. - O Judaísmo e o Cristianismo. - O Monoteísmo. - A escolha de
Israel. - A incompreensão do Judaísmo. - No porvir. 65
VIII - A CHINA
MILENÁRIA A China. - A cristalização das idéias chinesas. - Fo-Hi. - Confúcio e
Lao-Tsé. - O Nirvana. - A China atual. - A edificação do Evangelho. 73
IX - AS GRANDES
RELIGIÕES DO PASSADO As primeiras organizações religiosas. - Ainda as raças
adâmicas. - A gênese das crenças religiosas. - A unidade substancial das
religiões. - As revelações gradativas. - Preparação do Cristianismo. - O Cristo
inconfundível. 81
X - A GRÉCIA E A
MISSÃO DE SÓCRATES Nas vésperas da maioridade terrestre. - Atenas e Esparta. -
Experiências necessárias. - A Grécia. - Sócrates. - Os discípulos. - Provação
coletiva da Grécia. 89
XI - ROMA O povo
etrusco. - Primórdios de Roma. 97
9
ÍNDICE
- Influências
decisivas. - Os patrícios e os plebeus. - A família romana. - As guerras e a
maioridade terrestre. - Nas vésperas do Senhor.
XII - A VINDA DE JESUS
A manjedoura. - O Cristo e os essênios. - Cumprimento das profecias de Israel.
- A grande lição. - A palavra divina. - Crepúsculo de uma civilização. - O
exemplo do Cristo. 105
XIII - O IMPÉRIO
ROMANO E SEUS DESVIOS Os desvios romanos. - Os abusos da autoridade e do poder.
- Os chefes de Roma. - O século de Augusto. - Transição de uma época. -
Provações coletivas dos judeus e dos romanos. - Fim da vaidade humana. 113
XIV - A EDIFICAÇÃO
CRISTÃ Os primeiros cristãos. - A propagação do Cristianismo. - A redação dos
textos definitivos. - A missão de Paulo. - O Apocalipse de João. -
Identificação da besta apocalíptica. - O roteiro de luz e de amor. 121
XV - A EVOLUÇÃO DO
CRISTIANISMO Penosos compromissos romanos. - Culpas e resgates dolorosos do
homem espiritual. - Os mártires. - Os apologistas. - O jejum e a oração. -
Constantino. - O Papado. 131
XVI - A IGREJA E A
INVASÃO DOS BÁRBAROS Vitórias do Cristianismo. - Primórdios do Catolicismo. - A
Igreja de Roma. - A destruição do Império. - A invasão dos bárbaros. - Razões
da Idade Média. - Mestres do amor e da virtude. 139
XVII - A IDADE
MEDIEVAL Os mensageiros de Jesus. - O Império Bizantino. - O Islamismo. - As
guerras do Islã. - Carlos Magno. - O Feudalismo. - Razões do Feudalismo. 147
XVIII - OS ABUSOS DO
PODER RELIGIOSO Fases da Igreja Católica. - Gregório VII. - As advertências de
Jesus. - Fran- 155
10
ÍNDICE
cisco de Assis. - Os
Franciscanos. - A Inquisição. - A obra do Papado.
XIX - AS CRUZADAS E O
FIM DA IDADE MÉDIA As primeiras Cruzadas. - Fim das Cruzadas. - O esforço dos
emissários do Cristo. - Pobreza intelectual. - Renascimento. - Transmigrações
de povos. - Fim da idade medieval. 163
XX - RENASCENÇA DO
MUNDO Movimentos regeneradores. - Missão da América. - O Plano Invisível e a
colonização do Novo Mundo. - Apogeu da Renascença. - Renascença religiosa. - A
Companhia de Jesus. - Ação do Jesuitismo. 171
XXI - ÉPOCA DE
TRANSIÇÃO As lutas da Reforma. - A Invencível Armada. - Guerras religiosas. - A
França e a Inglaterra. - Refúgio da América. - Os Enciclopedistas. - A
Independência americana. 179
XXII - A REVOLUÇÃO
FRANCESA A França no século XVIII. - Época de sombras. - Contra os excessos da
revolução. - O período do Terror. - A Constituição. - Napoleão Bonaparte. -
Allan Kardec. 187
XXIII - O SÉCULO XIX
Depois da Revolução. - Independência política da América. - Allan Kardec e os
seus colaboradores. - As ciências sociais. - A tarefa do missionário. -
Provações coletivas na França. - Provações da Igreja. 195
XXIV - O ESPIRITISMO E
AS GRANDES TRANSIÇÕES A extinção do cativeiro. - O Socialismo. - Restabelecendo
a verdade. - Defecção da Igreja Católica. - Lutas renovadoras. - A América e o
futuro. - Jesus 203
XXV - O EVANGELHO E O
FUTURO 211
Conclusão 217
11
Antelóquio
Meus amigos, que Deus
vos conceda paz.
É-me grata a vossa
palestra a respeito dos nossos trabalhos. Esperemos e supliquemos a bênção do
Alto para o nosso esforço. Dando seguimento aos nossos estudos, procuremos
esforçar-nos por mostrar a verdadeira posição do Evangelho do Cristo, tanta vez
incompreendido aí no mundo, em face das religiões e das filosofias terrenas.
Não deverá ser este um
trabalho histórico. A história do mundo está compilada e feita. Nossa
contribuição será à tese religiosa, elucidando a influência sagrada da fé e o
ascendente espiritual, no curso de todas as civilizações terrestres. O livro do
irmão Humberto (1)
__________
(1)
"Brasil,
Coração do Mundo, Pátria do Evangelho".
12
EMMANUEL
foi a revelação da missão coletiva de um país; nosso esforço
consistirá, tão-somente, em apontamentos à margem da tarefa de grandes
missionários do mundo e de povos que já desapareceram, esclarecendo a grandeza
e a misericórdia do Divino Mestre. Vamos esperar os dias próximos, quando
tentaremos realizar nossos planos humildes de trabalho. Que Deus vos conceda a
todos tranqüilidade e saúde, e a nós as possibilidades necessárias. Muito vos
agradeço o concurso de cada um no esforço geral. Trabalhemos na grande colmeia
da evolução, sem outra preocupação que não seja a de bem servir Àquele que, das
Alturas, sabe de todas as nossas lutas e lágrimas. Confiemos nEle. Do seu
coração augusto e misericordioso parte a fonte da luz e da vida, da harmonia e
da paz para todos os corações. Que Ele vos abençoe.
EMMANUEL
(Mensagem recebida em 17- 8 -1938.)
13
Introdução
Enquanto as penosas transições do século XX se anunciam ao
tinido sinistro das armas, as forças espirituais se reúnem para as grandes
reconstruções do porvir.
Aproxima-se o momento em que se efetuará a aferição de todos
os valores terrestres para o ressurgimento das energias criadoras de um mundo
novo, e natural é que recordemos o ascendente místico de todas as civilizações
que surgiram e desapareceram, evocando os grandes períodos evolutivos da
Humanidade, com as suas misérias e com os seus esplendores, para afirmar as
realidades espirituais acima de todos os fenômenos transitórios da matéria.
Esse esforço de síntese será o da fé reclamando a sua posição
em face da ciência dos
14
EMMANUEL
homens, e ante as religiões da separatividade, como a bússola
da verdadeira sabedoria.
Diante dos nossos olhos de espírito passam os fantasmas das
civilizações mortas, como se permanecêssemos diante de um "écran"
maravilhoso. As almas mudam a indumentária carnal, no curso incessante dos
séculos; constróem o edifício milenário da evolução humana com as suas lágrimas
e sofrimentos, e até nossos ouvidos chegam os ecos dolorosos de suas aflições.
Passam as primeiras organizações do homem e passam as suas grandes cidades,
transformadas em ossuários silenciosos. O tempo, como patrimônio divino do
espírito, renova as inquietações e angústias de cada século, no sentido de
aclarar o caminho das experiências humanas. Passam as raças e as gerações, as
línguas e os povos, os países e as fronteiras, as ciências e as religiões. Um
sopro divino faz movimentar todas as coisas nesse torvelinho maravilhoso.
Estabelece-se, então, a ordem equilibrando todos os fenômenos e movimentos do
edifício planetário, vitalizando os laços eternos que reúnem a sua grande
família.
Vê-se, então, o fio inquebrantável que sustenta os séculos
das experiências terrestres, reunindo-as, harmoniosamente, umas às outras, a
fim de que constituam o tesouro imortal da alma humana em sua gloriosa ascensão
para o Infinito.
As raças são substituídas pelas almas e as gerações
constituem fases do seu aprendizado e aproveitamento; as línguas são formas de
expressão, caminhando para a expressão única da fraternidade e do amor, e os
povos são os membros dispersos de uma grande família tra-
15
A CAMINHO DA LUZ
balhando para o estabelecimento definitivo de sua comunidade
universal. Seus filhos mais eminentes, no plano dos valores espirituais, são
agraciados pela Justiça Suprema, que legisla no Alto para todos os mundos do
Universo, e podem visitar as outras pátrias siderais, regressando ao orbe, no
esforço abençoado de missões regeneradoras dentro das igrejas e das academias
terrenas.
Na tela mágica dos nossos estudos, destacam-se esses
missionários que o mundo muitas vezes crucificou na incompreensão das almas
vulgares, mas, em tudo e sobre todos, irradia-se a luz desse fio de
espiritualidade que diviniza a matéria, encadeando o trabalho das civilizações,
e, mais acima, ofuscando o "écran" das nossas observações e dos
nossos estudos, vemos a fonte de extraordinária luz, de onde parte o primeiro
ponto geométrico desse fio de vida e de harmonia, que equilibra e satura toda a
Terra numa apoteose de movimento e divinas claridades.
Nossos pobres olhos não podem divisar particularidades nesse
deslumbramento, mas sabemos que o fio da luz e da vida está nas suas mãos. É
Ele quem sustenta todos os elementos ativos e passivos da existência
planetária. No seu coração augusto e misericordioso está o Verbo do princípio.
Um sopro de sua vontade pode renovar todas as coisas, e um gesto seu pode
transformar a fisionomia de todos os horizontes terrestres.
Passaram as gerações de todos os tempos, com as suas
inquietações e angústias. As guerras ensangüentaram o roteiro dos povos nas
suas peregrinações incessantes para o conhecimento superior. Caíram os tronos
dos reis e
16
EMMANUEL
esfacelaram-se coroas milenárias. Os príncipes do mundo
voltaram ao teatro de sua vaidade orgulhosa, no indumento humilde dos escravos,
e, em vão, os ditadores conclamaram, e conclamam ainda, os povos da Terra, para
o morticínio e para a destruição.
O determinismo do amor e do bem é a lei de todo o Universo e
a alma humana emerge de todas as catástrofes em busca de uma vida melhor.
Só Jesus não passou, na caminhada dolorosa das raças,
objetivando a dilaceração de todas as fronteiras para o amplexo universal. Ele
é a Luz do Principio e nas suas mãos misericordiosas repousam os destinos do
mundo. Seu coração magnânimo é a fonte da vida para toda a Humanidade
terrestre. Sua mensagem de amor, no Evangelho, é a eterna palavra da
ressurreição e da justiça, da fraternidade e da misericórdia. Todas as coisas
humanas passaram, todas as coisas humanas se modificarão. Ele, porém, é a Luz
de todas as vidas terrestres, inacessível ao tempo e à destruição.
Enquanto falamos da missão do século XX, contemplando os
ditadores da atualidade, que se arvoram em verdugos das multidões, cumpre-nos
voltar os olhos súplices para a infinita misericórdia do Senhor, implorando-lhe
paz e amor para todos os corações.
17
I
A Gênese planetária
A COMUNIDADE DOS ESPÍRITOS PUROS
Rezam as tradições do mundo espiritual que na direção de
todos os fenômenos, do nosso sistema, existe uma Comunidade de Espíritos Puros
e Eleitos pelo Senhor Supremo do Universo, em cujas mãos se conservam as rédeas
diretoras da vida de todas as coletividades planetárias. Essa Comunidade de
seres angélicos e perfeitos, da qual é Jesus um dos membros divinos, ao que nos
foi dado saber, apenas já se reuniu, nas proximidades da Terra, para a solução
de problemas decisivos da organização e da dire- 18 EMMANUEL ção do nosso
planeta, por duas vezes no curso dos milênios conhecidos. A primeira,
verificou-se quando o orbe terrestre se desprendia da nebulosa solar, a fim de
que se lançassem, no Tempo e no Espaço, as balizas do nosso sistema cosmogônico
e os pródromos da vida na matéria em ignição, do planeta, e a segunda, quando
se decidia a vinda do Senhor à face da Terra, trazendo à família humana a lição
imortal do seu Evangelho de amor e redenção. A CIÊNCIA DE TODOS OS TEMPOS Não é
nosso propósito trazer à consideração dos estudiosos uma nova teoria da
formação do mundo. A Ciência de todos os séculos está cheia de apóstolos e
missionários. Todos eles foram inspirados ao seu tempo, refletindo a claridade
das Alturas, que as experiências do Infinito lhes imprimiram na memória
espiritual, e exteriorizando os defeitos e concepções da época em que viveram,
na feição humana de sua personalidade. Na sua condição de operários do
progresso universal, foram portadores de revelações gradativas, no domínio dos
conhecimentos superiores da Humanidade. Inspirados de Deus nos penosos esforços
da verdadeira civilização, as suas idéias e trabalhos merecem o respeito de
todas as gerações da Terra, ainda que as novas expressões evolutivas do plano
cultural das sociedades mundanas tenham sido obrigadas a proscrever as suas
teorias e antigas fórmulas. 19 A CAMINHO DA LUZ Lembrando-nos, porém, mais
detidamente, de quantos souberam receber a intuição da realidade nas
perquirições do Infinito, busquemos recordar o globo terráqueo nos seus
primeiros dias. OS PRIMEIROS TEMPOS DO ORBE TERRESTRE Que força sobre-humana
pôde manter o equilíbrio da nebulosa terrestre, destacada do núcleo central do
sistema, conferindo-lhe um conjunto de leis matemáticas, dentro das quais se
iam manifestar todos os fenômenos inteligentes e harmônicos de sua vida, por
milênios de milênios? Distando do Sol cerca de 149.600.000 quilômetros e
deslocandose no espaço com a velocidade diária de 2.500.000 quilômetros, em torno
do grande astro do dia, imaginemos a sua composição nos primeiros tempos de
existência, como planeta. Laboratório de matérias ignescentes, o conflito das
forças telúricas e das energias físico-químicas opera as grandiosas construções
do teatro da vida, no imenso cadinho onde a temperatura se eleva, por vezes, a
2.000 graus de calor, como se a matéria colocada num forno, incandescente,
estivesse sendo submetida aos mais diversos ensaios, para examinar-se a sua
qualidade e possibilidades na edificação da nova escola dos seres. As descargas
elétricas, em proporções jamais vistas da Humanidade, despertam estranhas
comoções no grande organismo planetário, cuja formação se processa nas oficinas
do Infinito. 20 EMMANUEL A CRIAÇÃO DA LUA Nessa computação de valores cósmicos
em que laboram os operários da espiritualidade sob a orientação misericordiosa
do Cristo, delibera-se a formação do satélite terrestre. O programa de
trabalhos a realizar-se no mundo requeria o concurso da Lua, nos seus mais
íntimos detalhes. Ela seria a âncora do equilíbrio terrestre nos movimentos de
translação que o globo efetuaria em torno da sede do sistema; o manancial de
forças ordenadoras da estabilidade planetária e, sobretudo, o orbe nascente
necessitaria da sua luz polarizada, cujo suave magnetismo atuaria decisivamente
no drama infinito da criação e da reprodução de todas as espécies, nos variados
remos da Natureza. A SOLIDIFICAÇÃO DA MATÉRIA Na grande oficina surge, então, a
diferenciação da matéria ponderável, dando origem ao hidrogênio. As vastidões
atmosféricas são amplo repositório de energias elétricas e de vapores que
trabalham as substâncias torturadas no orbe terrestre. O frio dos espaços atua,
porém, sobre esse laboratório de energias incandescentes e a condensação dos metais
verifica-se com a leve formação da crosta solidificada. É o primeiro descanso
das tumultuosas comoções geológicas do globo. Formam-se os primitivos oceanos,
onde a água tépida sofre pressão difícil de descrever-se. A atmosfera 21 A
CAMINHO DA LUZ está carregada de vapores aquosos e as grandes tempestades
varrem, em todas as direções, a superfície do planeta, mas sobre a Terra o caos
fica dominado como por encanto. As paisagens aclaram-se, fixando a luz solar
que se projeta nesse novo teatro de evolução e vida. As mãos de Jesus haviam
descansado, após o longo período de confusão dos elementos físicos da
organização planetária. O DIVINO ESCULTOR Sim, Ele havia vencido todos os
pavores das energias desencadeadas; com as suas legiões de trabalhadores divinos,
lançou o escopro da sua misericórdia sobre o bloco de matéria informe, que a
Sabedoria do Pai deslocara do Sol para as suas mãos augustas e compassivas.
Operou a escultura geológica do orbe terreno, talhando a escola abençoada e
grandiosa, na qual o seu coração haveria de expandirse em amor, claridade e
justiça. Com os seus exércitos de trabalhadores devotados, estatuiu os
regulamentos dos fenômenos físicos da Terra, organizando-lhes o equilíbrio
futuro na base dos corpos simples de matéria, cuja unidade substancial os
espectroscópios terrenos puderam identificar por toda a parte no universo
galáxico. Organizou o cenário da vida, criando, sob as vistas de Deus, o
indispensável à existência dos seres do porvir. Fez a pressão atmosférica
adequada ao homem, antecipando-se ao seu nascimento no mundo, no curso dos
milênios; estabeleceu os grandes centros de força da ionosfera e da
estratosfera, onde se har- 22 EMMANUEL monizam os fenômenos elétricos da
existência planetária, e edificou as usinas de ozone a 40 e 60 quilômetros de
altitude, para que filtrassem convenientemente os raios solares,
manipulando-lhes a composição precisa à manutenção da vida organizada no orbe.
Definiu todas as linhas de progresso da humanidade futura, engendrando a
harmonia de todas as forças físicas que presidem ao ciclo das atividades
planetárias. O VERBO NA CRIAÇÃO TERRESTRE A ciência do mundo não lhe viu as
mãos augustas e sábias na intimidade das energias que vitalizam o organismo do
Globo. Substituíram-lhe a providência com a palavra "natureza", em
todos os seus estudos e análises da existência, mas o seu amor foi o Verbo da
criação do princípio, como é e será a coroa gloriosa dos seres terrestres na
imortalidade semfim. E quando serenaram os elementos do mundo nascente, quando
a luz do Sol beijava, em silêncio, a beleza melancólica dos continentes e dos
mares primitivos, Jesus reuniu nas Alturas os intérpretes divinos do seu
pensamento. Viu-se, então, descer sobre a Terra, das amplidões dos espaços
ilimitados, uma nuvem de forças cósmicas, que envolveu o imenso laboratório
planetário em repouso. Daí a algum tempo, na crosta solidificada do planeta,
como no fundo dos oceanos, podia-se observar a existência de um elemento
viscoso que cobria toda a Terra. Estavam dados os primeiros passos no caminho
da vida organizada. Com essa massa ge- 23 A CAMINHO DA LUZ latinosa, nascia no
orbe o protoplasma e, com ele, lançara Jesus à superfície do mundo o germe
sagrado dos primeiros homens. 25 II A vida organizada AS CONSTRUÇÕES CELULARES
Sob a orientação misericordiosa e sábia do Cristo, laboravam na Terra numerosas
assembléias de operários espirituais. Como a engenharia moderna, que constrói
um edifício prevendo os menores requisitos de sua finalidade, os artistas da
espiritualidade edificavam o mundo das células iniciando, nos dias primevos, a
construção das formas organizadas e inteligentes dos séculos porvindouros. O
ideal da beleza foi a sua preocupação dos primeiros momentos, no que se referia
às edificações celulares das origens. 26 EMMANUEL É por isso que, em todos os
tempos, a beleza, junto à ordem, constituiu um dos traços indeléveis de toda a
criação. As formas de todos os remos da natureza terrestre foram estudadas e
previstas. Os fluidos da vida foram manipulados de modo a se adaptarem às
condições físicas do planeta, encenando-se as construções celulares segundo as
possibilidades do ambiente terrestre, tudo obedecendo a um plano
preestabelecido pela misericordiosa sabedoria do Cristo, consideradas as leis
do princípio e do desenvolvimento geral. OS PRIMEIROS HABITANTES DA TERRA
Dizíamos que uma camada de matéria gelatinosa envolvera o orbe terreno em seus
mais íntimos contornos. Essa matéria, amorfa e viscosa, era o celeiro sagrado
das sementes da vida. O protoplasma foi o embrião de todas as organizações do
globo terrestre, e, se essa matéria, sem forma definida, cobria a crosta
solidificada do planeta, em breve a condensação da massa dava origem ao
surgimento do núcleo, iniciando-se as primeiras manifestações dos seres vivos.
Os primeiros habitantes da Terra, no plano material, são as células
albuminóides, as amebas e todas as organizações unicelulares, isoladas e
livres, que se multiplicam prodigiosamente na temperatura tépida dos oceanos.
Com o escoar incessante do tempo, esses seres primordiais se movem ao longo das
águas, onde encontram o oxigênio necessário ao entre- 27 A CAMINHO DA LUZ
tenimento da vida, elemento que a terra firme não possuía ainda em proporções
de manter a existência animal, antes das grandes vegetações; esses seres rudimentares
somente revelam um sentido - o do tato, que deu origem a todos os outros, em
função de aperfeiçoamento dos organismos superiores. A ELABORAÇÃO PACIENTE DAS
FORMAS Decorrido muito tempo, eis que as amebas primitivas se associam para a
vida celular em comum, formando-se as colônias de infusórios, de polipeiros, em
obediência aos planos da construção definitiva do porvir, emanados do mundo
espiritual onde todo o progresso da Terra tem a sua gênese. Os reinos vegetal e
animal parecem confundidos nas profundidades oceânicas. Não existem formas
definidas nem expressão individual nessas sociedades de infusórios; mas, desses
conjuntos singulares, formam-se ensaios de vida que já apresentam caracteres e
rudimentos dos organismos superiores. Milhares de anos foram precisos aos
operários de Jesus, nos serviços da elaboração paciente das formas. A
princípio, coordenam os elementos da nutrição e da conservação da existência. O
coração e os brônquios são conquistados e, após eles, formam-se os pródromos
celulares do sistema nervoso e dos órgãos da procriação, que se aperfeiçoam,
definindo-se nos seres. 28 EMMANUEL AS FORMAS INTERMEDIÁRIAS DA NATUREZA A
atmosfera está ainda saturada de umidade e vapores, e a terra sólida está
coberta de lodo e pântanos inimagináveis. Todavia, as derradeiras convulsões
interiores do orbe localizam os calores centrais do planeta, restringindo a
zona das influências telúricas necessárias à manutenção da vida animal. Esses
fenômenos geológicos estabelecem os contornos geográficos do globo, delineando
os continentes e fixando a posição dos oceanos, surgindo, desse modo, as
grandes extensões de terra firme, aptas a receber as sementes prolíficas da
vida. Os primeiros crustáceos terrestres são um prolongamento dos crustáceos
marinhos. Seguindo-lhes as pegadas, aparecem os batráquios, que trocam as águas
pelas regiões lodosas e firmes. Nessa fase evolutiva do planeta, todo o globo
se veste de vegetação luxuriante, prodigiosa, de cujas florestas opulentas e
desmesuradas as minas carboníferas dos tempos modernos são os petrificados
vestígios. OS ENSAIOS ASSOMBROSOS Nessa altura, os artistas da criação
inauguram novos períodos evolutivos, no plano das formas. A Natureza torna-se
uma grande oficina de ensaios monstruosos. Após os répteis, surgem os animais
horrendos das eras primitivas. 29 A CAMINHO DA LUZ Os trabalhadores do Cristo,
como os alquimistas que estudam a combinação das substâncias, na retorta de
acuradas observações, analisavam, igualmente, a combinação prodigiosa dos
complexos celulares, cuja formação eles próprios haviam delineado, executando,
com as suas experiências, uma justa aferição de valores, prevendo todas as
possibilidades e necessidades do porvir. Todas as arestas foram eliminadas.
Aplainaram-se dificuldades e realizaram-se novas conquistas. A máquina celular
foi aperfeiçoada, no limite do possível, em face das leis físicas do globo. Os
tipos adequados à Terra foram consumados em todos os reinos da Natureza,
eliminando-se os frutos teratológicos e estranhos, do laboratório de suas
perseverantes experiências. A prova da intervenção das forças espirituais,
nesse vasto campo de operações, é que, enquanto o escorpião, gêmeo dos
crustáceos marinhos, conserva até hoje, de modo geral, a forma primitiva, os
animais monstruosos das épocas remotas, que lhe foram posteriores,
desapareceram para sempre da fauna terrestre, guardando os museus do mundo as
interessantes reminiscências de suas formas atormentadas. OS ANTEPASSADOS DO
HOMEM O reino animal experimenta as mais estranhas transições no período
terciário, sob as influências do meio e em face dos imperativos da lei de
seleção. 30 EMMANUEL Mas, o nosso raciocínio ansioso procura os legítimos
antepassados das criaturas humanas, nessa imensa vastidão do proscênio da
evolução anímica. Onde está Adão com a sua queda do paraíso? Debalde nossos
olhos procuram, aflitos, essas figuras legendárias, com o propósito de
localizá- las no Espaço e no Tempo. Compreendemos, afinal, que Adão e Eva
constituem uma lembrança dos Espíritos degredados ria paisagem obscura da
Terra, como Caim e Abel são dois símbolos para a personalidade das criaturas.
Examinada, porém, a questão nos seus prismas reais, vamos encontrar os
primeiros antepassados do homem sofrendo os processos de aperfeiçoamento da
Natureza. No período terciário a que nos reportamos, sob a orientação das
esferas espirituais notavam-se algumas raças de antropóides, no Plioceno
inferior. Esses antropóides, antepassados do homem terrestre, e os ascendentes
dos símios que ainda existem no mundo, tiveram a sua evolução em pontos
convergentes, e daí os parentescos sorológicos entre o organismo do homem
moderno e o do chimpanzé da atualidade. Reportando-nos, todavia, aos eminentes
naturalistas dos últimos tempos, que examinaram meticulosamente os transcendentes
assuntos do evolucionismo, somos compelidos a esclarecer que não houve
propriamente uma "descida da árvore", no início da evolução humana.
As forças espirituais que dirigem os fenômenos terrestres, sob a orientação do
Cristo, estabeleceram, na época da grande maleabilidade dos elementos
materiais, uma linhagem 31 A CAMINHO DA LUZ definitiva para todas as espécies,
dentro das quais o princípio espiritual encontraria o processo de seu
acrisolamento, em marcha para a racionalidade. Os peixes, os répteis, os
mamíferos, tiveram suas linhagens fixas de desenvolvimento e o homem não
escaparia a essa regra geral. A GRANDE TRANSIÇÃO Os antropóides das cavernas
espalharam-se, então, aos grupos, pela superfície do globo, no curso vagaroso
dos séculos, sofrendo as influências do meio e formando os pródromos das raças
futuras em seus tipos diversificados; a realidade, porém, é que as entidades
espirituais auxiliaram o homem do sílex, imprimindo-lhe novas expressões
biológicas. Extraordinárias experiências foram realizadas pelos mensageiros do
invisível. As pesquisas recentes da Ciência sobre o tipo de Neanderthal,
reconhecendo nele uma espécie de homem bestializado, e outras descobertas
interessantes da Paleontologia, quanto ao homem fóssil, são um atestado dos experimentos
biológicos a que procederam os prepostos de Jesus, até fixarem no
"primata" os característicos aproximados do homem futuro. Os séculos
correram o seu velário de experiências penosas sobre a fronte dessas criaturas
de braços alongados e de pelos densos, até que um dia as hostes do invisível
operaram uma definitiva transição no corpo perispiritual preexistente, dos
homens primitivos, nas regiões 32 EMMANUEL siderais e em certos intervalos de
suas reencarnações. Surgem os primeiros selvagens de compleição melhorada,
tendendo à elegância dos tempos do porvir. Uma transformação visceral
verificara-se na estrutura dos antepassados das raças humanas. Como poderia
operar-se semelhante transição? Perguntará o vosso critério científico. Muito
naturalmente. Também as crianças têm os defeitos da infância corrigidos pelos
pais, que as preparam em face da vida, sem que, na maioridade, elas se lembrem
disso. 33
III
As raças adâmicas
O SISTEMA DE CAPELA
Nos mapas zodiacais, que os astrônomos terrestres compulsam em
seus estudos, observa-se desenhada uma grande estrela na Constelação do
Cocheiro, que recebeu, na Terra, o nome de Cabra ou Capela. Magnífico sol entre
os astros que nos são mais vizinhos, ela, na sua trajetória pelo Infinito,
faz-se acompanhar, igualmente, da sua família de mundos, cantando as glórias
divinas do Ilimitado. A sua luz gasta cerca de 42 anos para chegar à face da
Terra, considerando-se, desse modo, a regular distância existente entre a
Capela e o nosso planeta, já que a luz percorre o espaço com a 34 EMMANUEL
velocidade aproximada de 300.000 quilômetros por segundo. Quase todos os mundos
que lhe são dependentes já se purificaram física e moralmente, examinadas as
condições de atraso moral da Terra, onde o homem se reconforta com as vísceras
dos seus irmãos inferiores, como nas eras pré-históricas de sua existência,
marcham uns contra os outros ao som de hinos guerreiros, desconhecendo os mais
comezinhos princípios de fraternidade e pouco realizando em favor da extinção
do egoísmo, da vaidade, do seu infeliz orgulho. UM MUNDO EM TRANSIÇÕES Há
muitos milênios, um dos orbes da Capela, que guarda muitas afinidades com o
globo terrestre, atingira a culminância de um dos seus extraordinários ciclos
evolutivos. As lutas finais de um longo aperfeiçoamento estavam delineadas,
como ora acontece convosco, relativamente às transições esperadas no século XX,
neste crepúsculo de civilização. Alguns milhões de Espíritos rebeldes lá
existiam, no caminho da evolução geral, dificultando a consolidação das penosas
conquistas daqueles povos cheios de piedade e virtudes, mas uma ação de
saneamento geral os alijaria daquela humanidade, que fizera jus à concórdia
perpétua, para a edificação dos seus elevados trabalhos As grandes comunidades
espirituais, diretoras do Cosmos, deliberam, então, localizar 35 A CAMINHO DA
LUZ aquelas entidades, que se tornaram pertinazes no crime, aqui na Terra
longínqua, onde aprenderiam a realizar, na dor e nos trabalhos penosos do seu
ambiente, as grandes conquistas do coração e impulsionando, simultaneamente, o
progresso dos seus irmãos inferiores. ESPÍRITOS EXILADOS NA TERRA Foi assim que
Jesus recebeu, à luz do seu reino de amor e de justiça, aquela turba de seres
sofredores e infelizes. Com a sua palavra sábia e compassiva, exortou essas
almas desventuradas à edificação da consciência pelo cumprimento dos deveres de
solidariedade e de amor, no esforço regenerador de si mesmas. Mostrou-lhes os
campos imensos de luta que se desdobravam na Terra, envolvendo-as no halo
bendito da sua misericórdia e da sua caridade sem limites. Abençoou-lhes as
lágrimas santificadoras, fazendo-lhes sentir os sagrados triunfos do futuro e
prometendo-lhes a sua colaboração cotidiana e a sua vinda no porvir. Aqueles
seres angustiados e aflitos, que deixavam atrás de si todo um mundo de afetos,
não obstante os seus corações empedernidos na prática do mal, seriam degredados
na face obscura do planeta terrestre; andariam desprezados na noite dos
milênios da saudade e da amargura; reencarnariam no seio das raças ignorantes e
primitivas, a lembrarem o paraíso perdido nos firmamentos distantes. Por muitos
séculos não veriam a suave luz da Capela, mas 36 EMMANUEL trabalhariam na Terra
acariciados por Jesus e confortados na sua imensa misericórdia. FIXAÇÃO DOS
CARACTERES RACIAIS Com o auxílio desses Espíritos degredados, naquelas eras
remotíssimas, as falanges do Cristo operavam ainda as últimas experiências
sobre os fluidos renovadores da vida, aperfeiçoando os caracteres biológicos
das raças humanas. A Natureza ainda era, para os trabalhadores da
espiritualidade, um campo vasto de experiências infinitas; tanto assim que, se
as observações do mendelismo fossem transferidas àqueles milênios distantes,
não se encontraria nenhuma equação definitiva nos seus estudos de biologia. A
moderna genética não poderia fixar, como hoje, as expressões dos
"genes", porquanto, no laboratório das forças invisíveis, as células
ainda sofriam longos processos de acrisolamento, imprimindo-se-lhes elementos
de astralidade, consolidando-se-lhes as expressões definitivas, com vistas às
organizações do porvir. Se a gênese do planeta se processara com a cooperação
dos milênios, a gênese das raças humanas requeria a contribuição do tempo, até
que se abandonasse a penosa e longa tarefa da sua fixação. ORIGEM DAS RAÇAS
BRANCAS Aquelas almas aflitas e atormentadas reencarnaram, proporcionalmente,
nas regiões mais importantes, onde se haviam localizado as tri- 37 A CAMINHO DA
LUZ bos e famílias primitivas, descendentes dos "primatas", a que nos
referimos ainda há pouco. Com a sua reencarnação no mundo terreno,
estabeleciam-se fatores definitivos na história etnológica dos seres. Um grande
acontecimento se verificara no planeta É que, com essas entidades, nasceram no
orbe os ascendentes das raças brancas. Em sua maioria, estabeleceram-se na
Ásia, de onde atravessaram o istmo de Suez para a África, na região do Egito,
encaminhando-se igualmente para a longínqua Atlântida, de que várias regiões da
América guardam assinalados vestígios. Não obstante as lições recebidas da
palavra sábia e mansa do Cristo, os homens brancos olvidaram os seus sagrados
compromissos. Grande percentagem daqueles Espíritos rebeldes, com muitas
exceções, só puderam voltar ao país da luz e da verdade depois de muitos
séculos de sofrimentos expiatórios; outros, porém, infelizes e retrógrados,
permanecem ainda na Terra, nos dias que correm, contrariando a regra geral, em
virtude do seu elevado passivo de débitos clamorosos. QUATRO GRANDES POVOS As
raças adâmicas guardavam vaga lembrança da sua situação pregressa, tecendo o
hino sagrado das reminiscências. As tradições do paraíso perdido passaram de
gerações a gerações, até que ficassem arquivadas nas páginas da Bíblia. 38
EMMANUEL Aqueles seres decaídos e degradados, a maneira de suas vidas passadas
no mundo distante da Capela, com o transcurso dos anos reuniram-se em quatro
grandes grupos que se fixaram depois nos povos mais antigos, obedecendo às
afinidades sentimentais e lingüísticas que os associavam na constelação do
Cocheiro. Unidos, novamente, na esteira do Tempo, formaram desse modo o grupo
dos árias, a civilização do Egito, o povo de Israel e as castas da Índia. Dos
árias descende a maioria dos povos brancos da família indoeuropéia nessa
descendência, porém, é necessário incluir os latinos, os celtas e os gregos,
além dos germanos e dos eslavos. As quatro grandes massas de degredados
formaram os pródromos de toda a organização das civilizações futuras,
introduzindo os mais largos benefícios no seio da raça amarela e da raça negra,
que já existiam. É de grande interesse o estudo de sua movimentação no curso da
História. Através dessa análise, é possível examinarem-se os defeitos e
virtudes que trouxeram do seu paraíso longínquo, bem como os antagonismos e
idiossincrasias peculiares a cada qual. AS PROMESSAS DO CRISTO Tendo ouvido a
palavra do Divino Mestre antes de se estabelecerem no mundo, as raças adâmicas,
nos seus grupos insulados, guardaram a reminiscência das promessas do Cristo,
que, por sua vez, as fortaleceu no seio das mas- 39 A CAMINHO DA LUZ sas,
enviando-lhes periodicamente os seus missionários e mensageiros. Eis por que as
epopéias do Evangelho foram previstas e cantadas alguns milênios antes da vinda
do Sublime Emissário. Os enviados do Infinito falaram, na China milenária, da
celeste figura do Salvador, muitos séculos antes do advento de Jesus. Os
iniciados do Egito esperavam-no com as suas profecias. Na Pérsia, idealizaram a
sua trajetória, antevendo-lhe os passos nos caminhos do porvir; na Índia
védica, era conhecida quase toda a história evangélica, que o sol dos milênios
futuros iluminaria na região escabrosa da Palestina, e o povo de Israel,
durante muitos séculos, cantou-lhe as glórias divinas, na exaltação do amor e
da resignação, da piedade e do martírio, através da palavra de seus profetas
mais eminentes. Uma secreta intuição iluminava o espírito divinatório das
massas populares. Todos os povos O esperavam em seu seio acolhedor; todos O
queriam, localizando em seus caminhos a sua expressão sublime e divinizada. Todavia,
apesar de surgir um dia no mundo, como Alegria de todos os tristes e
Providência de todos os infortunados, à sombra do trono de Jessé, o Filho de
Deus em todas as circunstâncias seria o Verbo de Luz e de Amor do Princípio,
cuja genealogia se confunde na poeira dos sóis que rolam no Infinito. (*)
__________ (*) Entre as considerações acima e as do capítulo precedente,
devemos ponderar o interstício de muitos séculos. Aliás, no que e refere à
historicidade das raças adâmicas, será justo meditarmos atentamente no 40
EMMANUEL problema da fixação dos caracteres raciais. Apresentando o meu
pensamento humilde, procurei demonstrar as largas experiências que os operários
do Invisível levaram a efeito, sobre os complexos celulares, chegando a dizer
da impossibilidade de qualquer cogitação mendelista nessa época da evolução
planetária. Aos prepostos de Jesus foi necessária grande soma de tempo, no
sentido de fixar o tipo humano. Assim, pois, referindo-nos ao degredo dos
emigrantes da Capela, devemos esclarecer que, nessa ocasião, já o primata
hominis se encontrava arregimentado em tribos numerosas. Depois de grandes
experiências, foi que as migrações do Pamir se espalharam pelo orbe, obedecendo
a sagrados roteiros, delineados nas Alturas. Quanto ao fato de se verificar a
reencarnação de Espíritos tão avançados em conhecimentos, em corpos de raças
primigênias, não deve causar repugnância ao entendimento. Lembremo-nos de que
um metal puro, como o ouro, por exemplo, não se modifica pela circunstância de
se apresentar em vaso imundo, ou disforme. Toda oportunidade de realização do
bem é sagrada. Quanto ao mais, que fazer com o trabalhador desatento que
estraçalha no mal todos os instrumentos perfeitos que lhe são confiados? Seu
direito, aos aparelhos mais preciosos, sofrerá solução de continuidade. A
educação generosa e justa ordenará a localização de seus esforços em maquinaria
imperfeita, até que saiba valorizar as preciosidades em mão. A todo tempo, a
máquina deve estar de acordo com as disposições do operário, para que o dever
cumprido seja caminho aberto a direitos novos. Entre as raças negra e amarela,
bem como entre os grandes agrupamentos primitivos da Lemúria, da Atlântida e de
outras regiões que ficaram imprecisas no acervo de conhecimentos dos povos, os
exilados da Capela trabalharam proficuamente, adquirindo a provisão de amor
para suas consciências ressequidas. Como vemos, não houve retrocesso, mas
providência justa de administração, segundo os méritos de cada qual, no terreno
do trabalho e do sofrimento para a redenção. - (Nota de Emmanuel.)
1
81
IX
As grandes religiões do passado
AS PRIMEIRAS ORGANIZAÇÕES
RELIGIOSAS
As primeiras organizações religiosas da Terra tiveram,
naturalmente, sua origem entre os povos primitivos do Oriente, aos quais
enviava Jesus, periodicamente, os seus mensageiros e missionários. Dada a
ausência da escrita, naquelas épocas longínquas, todas as tradições se
transmitiam de geração a geração através do mecanismo das palavras. Todavia,
com a cooperação dos degredados do sistema da Capela, os rudimentos das artes
gráficas receberam os pri-
82 EMMANUEL meiros impulsos, começando a florescer uma nova
era de conhecimento espiritual, no campo das concepções religiosas. Os Vedas,
que contam mais de seis mil anos, já nos falam da sabedoria dos
"Sastras", ou grandes mestres das ciências hindus, que os antecederam
de mais ou menos dois milênios, nas margens dos rios sagrados da Índia. Vê-se,
pois, que a idéia religiosa nasceu com a própria Humanidade, constituindo o
alicerce de todos os seus esforços e realizações no plano terráqueo. AINDA AS
RAÇAS ADÂMICAS Não podemos, porém, esquecer que Jesus reunira nos espaços
infinitos os seres proscritos que se exilaram na Terra, antes de sua
reencarnação geral na vizinhança dos planaltos do Irá e do Pamir. Obedecendo às
determinações superiores do mundo espiritual, eles nunca puderam esquecer a
palavra salvadora do Messias e as suas divinas promessas. As belezas do espaço,
aliadas à paisagem mirífica do plano que foram obrigados a abandonar, viviam no
cerne das suas recordações mais queridas. As exortações confortadoras do
Cristo, nas vésperas de sua dolorosa imersão nos fluidos pesados do planeta
terrestre, cantavamlhes no íntimo os mais formosos hosanas de alegria e de
esperança. Era por isso que aquelas civilizações antigas possuíam mais fé,
colocando a intuição divina acima da razão puramente humana. A crença, como
íntima e sagrada aquisição de suas almas,
83 A CAMINHO DA LUZ era a força motora de todas as
realizações, e todos os degredados, com os mais santos entusiasmos do coração,
falaram dEle e da sua infinita misericórdia Suas vozes enchem todo o âmbito das
civilizações que passaram no pentagrama dos séculos sem-fim e, apresentado com
mil nomes, segundo as mais variadas épocas, o Cordeiro de Deus foi guardado
pela compreensão e pela memória do mundo, com todas as suas expressões divinas
ou, aliás, como a própria face de Deus, segundo as modalidades dos mistérios
religiosos. A GÊNESE DAS CRENÇAS RELIGIOSAS A gênese de todas as religiões da
Humanidade tem suas origens no seu coração augusto e misericordioso. Não
queremos, com as nossas exposições, divinizar, dogmaticamente, a figura
luminosa do Cristo, e sim esclarecer a sua gloriosa ascendência na direção do
orbe terrestre, considerada a circunstância de que cada mundo, como cada
família, tem seu chefe supremo, ante a justiça e a sabedoria do Criador. Fôra
erro crasso julgar como bárbaros e pagãos os povos terrestres que ainda não
conhecem diretamente as lições sublimes do seu Evangelho de redenção, porquanto
a sua desvelada assistência acompanhou, como acompanha a todo tempo, a evolução
das criaturas em todas as latitudes do orbe. A história da China, da Pérsia, do
Egito, da Índia, dos árabes, dos israelitas, dos celtas, dos gregos e dos
romanos está alumiada pela luz dos seus poderosos emissários. E muitos deles
tão bem se
84 EMMANUEL houveram, no cumprimento dos seus grandes e
abençoados deveres, que foram havidos como sendo Ele próprio, em reencarnações
sucessivas e periódicas do seu divinizado amor. No Manava-Darma, encontramos a
lição do Cristo; na China encontramos Fo-Hi, Lao-Tsé, Confúcio; nas crenças do
Tibete, está a personalidade de Buda e no Pentateuco encontramos Moisés; no
Alcorão vemos Maomet. Cada raça recebeu os seus instrutores, como se fosse Ele
mesmo, chegando das resplandecências de sua glória divina. Todas elas,
conhecendo intuitivamente a palavra das profecias, arquivaram a história dos
seus enviados, nos moldes de sua vinda futura, em virtude das lembranças
latentes que guardavam no coração, acerca da sua palavra nos espaços, tocada de
esclarecimento e de amor. A UNIDADE SUBSTANCIAL DAS RELIGIÕES A verdade é que
todos os livros e tradições religiosas da antigüidade guardam, entre si, a mais
estreita unidade substancial. As revelações evolucionam numa esfera gradativa
de conhecimento. Todas se referem ao Deus impersonificável, que é a essência da
vida de todo o Universo, e no tradicionalismo de todas palpita a visão
sublimada do Cristo, esperado em todos os pontos do globo. Os vários povos do
mundo traziam de longe as suas concepções e as suas esperanças, sem falarmos
das grandes coletividades que floresciam na América do Sul, então quase ligada
à
85 A CAMINHO DA LUZ China pelas extensões da Lemúria, e da
América do Norte, que se ligava à Atlântida. Não é, porém, nosso propósito
estudar aqui outras questões que se não refiram à superioridade do Cristo e à
ascendência do seu Evangelho, nestes apontamentos despretensiosos. Citando,
porém, todos os povos antigos do planeta, somos compelidos a recordar,
igualmente, as grandes civilizações pré-históricas, que desabrocharam e
desapareceram no continente americano, de cujos cataclismos e arrasamentos
ficaram ainda as expressões interessantes dos incas e dos astecas, que, como
todos os outros agrupamentos do mundo, receberam a palavra indireta do Senhor,
na sua marcha coletiva através de augustos caminhos. AS REVELAÇÕES GRADATIVAS
Até à palavra simples e pura do Cristo, a Humanidade terrestre viveu etapas
gradativas de conhecimento e de possibilidades, na senda das revelações
espirituais. Os milênios, com as suas experiências consecutivas e dolorosas, prepararam
os caminhos dAquele que vinha, não somente com a sua palavra, mas,
principalmente, com a sua exemplificação salvadora. Cada emissário trouxe uma
das modalidades da grande lição de que foi teatro a região humilde da Galiléia.
É por esse motivo que numerosas coletividades asiáticas não conhecem a lição
direta do Mestre, mas sabem do conteúdo da sua palavra, em virtude das próprias
revelações do seu
86 EMMANUEL ambiente, e, se a Boa Nova não se dilatou no
curso dos tempos, pelas estradas dos povos, e que os pretensos missionários do
Cristo, nos séculos posteriores aos seus ensinos, não souberam cultivar a flor
da vida e da verdade, do amor e da esperança, que os seus exemplos haviam
implantado no mundo: abafando-a nos templos de uma falsa religiosidade, ou
encarcerando-a no silêncio dos claustros, a planta maravilhosa do Evangelho foi
sacrificada no seu desenvolvimento e contrariada nos seus mais lídimos
objetivos. PREPARAÇÃO DO CRISTIANISMO As lições da Palestina foram, desse modo,
precedidas de laboriosa e longa preparação na intimidade dos milênios Os
sacerdotes de todas as grandes religiões do passado supuseram, nos seus mestres
e nos seus mais altos iniciados, a personalidade do Senhor, mas temos de convir
que Jesus foi inconfundível. À luz significativa da história, observamos muitas
vezes, nos seus auxiliares ou instrumentos humanos, as características das
vulgaridades terrestres. Alguns foram ditadores de consciências, enérgicos e
ferozes no sentido de manter e fomentar a fé; outros, traídos em suas forças e
desprezando os compromissos sagrados com o Salvador, longe de serem
instrumentos do Divino Mestre, abusaram da própria liberdade, dando ouvidos às
forças subversivas da Treva, prejudicando a harmonia geral.
87 A CAMINHO DA LUZ O CRISTO INCONFUNDÍVEL Mas Jesus assinala
a sua passagem pela Terra com o selo constante da mais augusta caridade e do
mais abnegado amor. Suas parábolas e advertências estão impregnadas do perfume
das verdades eternas e gloriosas. A manjedoura e o calvário são lições maravilhosas,
cujas claridades iluminam os caminhos milenários da humanidade inteira, e
sobretudo os seus exemplos e atos constituem um roteiro de todas as grandiosas
finalidades, no aperfeiçoamento da vida terrestre. Com esses elementos, fez uma
revolução espiritual que permanece no globo há dois milênios. Respeitando as
leis do mundo, aludindo à efígie de César, ensinou as criaturas humanas a se
elevarem para Deus, na dilatada compreensão das mais santas verdades da vida.
Remodelou todos os conceitos da vida social, exemplificando a mais pura
fraternidade. Cumprindo a Lei Antiga, encheu-lhe o organismo de tolerância, de
piedade e de amor, com as suas lições na praça pública, em frente das criaturas
desregradas e infelizes, e somente Ele ensinou o "Amai-vos uns aos
outros", vivendo a situação de quem sabia cumpri-lo. Os Espíritos
incapacitados de o compreender podem alegar que as suas fórmulas verbais eram
antigas e conhecidas; mas ninguém poderá contestar que a sua exemplificação foi
única, até agora, na face da Terra. A maioria dos missionários religiosos da
antigüidade se compunha de príncipes, de sábios ou de grandes iniciados, que
saíam da intimidade confortável dos palácios e dos templos;
88 EMMANUEL mas o Senhor da semeadura e da seara era a
personificação de toda a sabedoria, de todo o amor, e o seu único palácio era a
tenda humilde de um carpinteiro, onde fazia questão de ensinar à posteridade
que a verdadeira aristocracia deve ser a do trabalho, lançando a fórmula
sagrada, definida pelo pensamento moderno, como o coletivismo das mãos, aliado
ao individualismo dos corações síntese social para a qual caminham as
coletividades dos tempos que passam - e que, desprezando todas as convenções e
honrarias terrestres, preferiu não possuir pedra onde repousasse o pensamento
dolorido, a fim de que aprendessem os seus irmãos a lição inesquecível do
"Caminho, da Verdade e da Vida".
89
X
A Grécia e a missão de Sócrates
NAS VÉSPERAS DA
MAIORIDADE TERRESTRE
Examinando a maioridade espiritual das criaturas humanas, envioulhes
o Cristo, antes de sua vinda ao mundo, numerosa coorte de Espíritos sábios e
benevolentes, aptos a consolidar, de modo definitivo, essa maturação do
pensamento terrestre. As cidades populosas do globo enchem-se, então, de homens
cultos e generosos, de filósofos e de artistas, que renovam, para melhor, todas
as tendências da Humanidade. Grandes mestres do cérebro e do coração formam
escolas numerosas na Grécia, que assu-
90 EMMANUEL mia a direção intelectual do orbe inteiro. A
maioria desses pensadores, que eram os enviados do Cristo às coletividades
terrestres, trazem, do círculo retraído e isolado dos templos, os ensinamentos
dos grandes iniciados para as praças públicas, pregando a verdade às multidões.
Assim como a organização do homem físico exigira as mais amplas experiências da
natureza, antes de se fixarem os seus caracteres biológicos definitivos, a
lição de Jesus, que representa o roteiro seguro para a edificação do homem
espiritual, deveria ser precedida pelas experiências mais vastas no campo
social. É por essa razão que observamos, nos cinco séculos anteriores à vinda
do Cordeiro, uma aglomeração de inúmeras escolas políticas, religiosas e
filosóficas dos mais diversos matizes, em todos os ambientes do mundo. ATENAS E
ESPARTA Muitas teorias científicas, que provocam o sensacionalismo dos vossos
dias como inovações ultramodernas, foram conhecidas da Grécia, em cujos mestres
têm os seus legítimos fundamentos. Em matéria de doutrinas sociais, grandes
ensaios foram realizados, divulgando-se a mais farta colheita de ensinamentos;
e quando meditamos no conflito moderno entre os Estados totalitários, fascistas
ou comunistas e as repúblicas democráticas, devemos volver os olhos ao passado,
revendo Atenas e Esparta como dois símbolos políticos que nos fazem pensar na
plena atualidade da Grécia antiga.
91 A CAMINHO DA LUZ Os espartanos, sob o regime atribuído a
Licurgo, nome que constitui apenas uma representação simbólica dos generais da
época, vivendo a existência absoluta do Estado, não expressaram a mesma
fisionomia da Alemanha e da Rússia atuais? A legislação de Esparta proibia o
comércio, condenava a cultura; cerceando o gosto pessoal em face das bagatelas
encantadoras da vida e do sentimento, decretou medidas de insulamento,
maltratando os estrangeiros; instituiu a uniformidade dos vestuários,
incumbiu-se da educação das crianças através dos órgãos do Estado, mas não
cultivava a parte intelectual, abalando todo o edifício sagrado da família e
criando, muitas vezes, o regime do roubo e da delação, em detrimento das mais
nobres finalidades da vida. Por essa razão, Esparta passou à história como um
simples povo de soldados espalhando a destruição e os flagelos da guerra, sem
nenhuma significação construtiva para a Humanidade. Atenas, ao contrário, é o
berço da verdadeira democracia. Povo que amou profunda-mente a liberdade, sua
dedicação à cultura e às artes iniciou as outras nações no culto da vida, da
criação e da beleza. Seus legisladores, que, como Sólon, eram filósofos e
poetas, reformaram todos os sistemas sociais conhecidos até então, protegendo
as classes pobres e desvalidas, estabelecendo uma linha harmônica entre todos
os departamentos da sociedade, acolhendo os estrangeiros, protegendo o
trabalho, fomentando o comércio, as indústrias, a agricultura.
92 EMMANUEL Lá começou o verdadeiro regime de consulta à
vontade do povo, que decidia, em assembléias numerosas, todos os problemas da
cidade venerável. E é fácil reconhecer aí o início das democracias modernas,
que agora se organizam, nas transições do século XX, para a repressão de todas
as doutrinas nefastas da força e da violência. EXPERIÊNCIAS NECESSÁRIAS
Semelhantes experiências, no campo sociológico, foram incentivadas e
acompanhadas de perto pelos prepostos de Jesus, respeitadas as grandes leis da
liberdade individual e coletiva. O mundo precisava conhecer a boa e a má
semente, nas grandes transformações da sua existência. A exemplificação do
Cristo necessitava de elevada compreensão no seio da cultura e da experiência
de todos os séculos transcorridos e, sem embargo das lutas renovadoras que a
antecederam no orbe, há dois milênios que o Evangelho do Mestre espera a
floração do perfeito entendimento dos homens. A GRÉCIA Ao influxo do coração
misericordioso do Cristo, toda a Grécia se povoa de artistas e pensadores
eminentes, no quadro das filosofias e das ciências. É lá que vamos encontrar as
escolas Itálica e Eleática, à frente do fervoroso idealismo de Pitágoras e
Xenófanes, sem esquecermos, igualmente, as escolas Jônica e Ato-
93 A CAMINHO DA LUZ mística com Tales e Demócrito, nas
expressões do mais avançado materialismo. O século de Péricles, chegando a um
apogeu de beleza e de cultura com os elevados princípios recebidos da
civilização egípcia, espalha os mais soberbos clarões espirituais nos
horizontes da Terra. Poucas fases da evolução européia se aproximaram desse
século maravilhoso. O Salvador contempla, das Alturas, essa época de elevadas
conquistas morais, cheio de amor e de esperança. O planeta terrestre
aproximava-se da sua maioridade espiritual quando, então, poderia Ele nutrir o
coração humano com a sementeira bendita da sua palavra. Envia, então, às
sociedades do globo o esforço de auxiliares valorosos, nas figuras de Ésquilo,
Eurípedes, Heródoto e Tucídides, e por fim a extraordinária personalidade de
Sócrates, no intuito de realizar o coroamento do esforço decidido de tantos
mensageiros. SÓCRATES É por isso que, de todas as grandes figuras daqueles
tempos longínquos, somos compelidos a destacar a grandiosa figura de Sócrates,
na Atenas antiga. Superior a Anaxágoras, seu mestre, como também
imperfeitamente interpretado pelos seus três discípulos mais famosos, o grande
filósofo está aureolado pelas mais divinas claridades espirituais, no curso de
todos os séculos planetários. Sua existência, em algumas circunstâncias,
aproxima-se da exemplificação
94 EMMANUEL do próprio Cristo. Sua palavra confunde todos os
espíritos mesquinhos da época e faz desabrochar florações novas de sentimento e
cultura na alma sedenta da mocidade. Nas praças públicas, ensina à infância e à
juventude o formoso ideal da fraternidade e da prática do bem, lançando as
sementes generosas da solidariedade dos pósteros. Mas Atenas, como cérebro do
mundo de então, apesar do seu vasto progresso, não consegue suportar a lição
avançada do grande mensageiro de Jesus. Sócrates é acusado de perverter os
jovens atenienses, instilandolhes o veneno da liberdade nos corações. Preso e
humilhado, seu espírito generoso não se acovarda diante das provas rudes que
lhe extravasam do cálice de amarguras. Consciente da missão que trazia, recusa
fugir do próprio cárcere, cujas portas se lhe abrem às ocultas pela
generosidade de alguns juízes. Os enviados do plano invisível cercam-lhe o
coração magnânimo e esclarecido, nas horas mais ásperas e agudas da provação; e
quando a esposa, Xantipa, assoma às grades da prisão para comunicar-lhe a
nefanda condenação à morte pela cicuta, ei-la exclamando no auge da angústia e
desesperação: - "Sócrates, Sócrates, os juizes te condenaram à morte..."
- "Que tem isso? - responde resignadamente o filósofo - eles também estão
condenados pela Natureza." - "Mas essa condenação é injusta..."
- soluça ainda a desolada esposa.
95 A CAMINHO DA LUZ E ele a esclarece com um olhar de
paciência e de carinho: - "E quererias que ela fosse justa?" Senhor
do seu valoroso e resignado heroísmo, Sócrates abandona a Terra, alçando-se de
novo aos páramos constelados, onde o aguardava a bênção de Jesus. OS DISCÍPULOS
O grande filosofo que ensinara à Grécia as mais belas virtudes, como precursor
dos princípios cristãos, deixou vários discípulos, dos quais se destacaram
Antístenes, Xenofonte e Platão. Falaremos, apenas, deste último, para
esclarecer que nenhum deles soube assimilar perfeitamente a estrutura moral do
mestre inesquecível. A História louva os discursos de Platão, mas nem sempre
compreendeu que ele misturou a filosofia pura do mestre com a ganga das paixões
terrestres, enveredando algumas vezes por complicados caminhos políticos. Não
soube, como também muitos dos seus companheiros, conservar-se ao nível de alta
superioridade espiritual, chegando mesmo a justificar o direito tirânico dos
senhores sobre os escravos, sem uma visão ampla da fraternidade humana e da
família universal. Contudo, não deixou de cultivar alguns dos princípios
cristãos legados pelo grande mentor, antecipando-se ao apostolado do Evangelho,
antes de entregar a sua tarefa doutrinária a Aristóteles, que ia também
trabalhar pelo advento do Cristianismo.
96 EMMANUEL PROVAÇÃO COLETIVA DA GRÉCIA A condenação de
Sócrates foi uma dessas causas transcendentes de dolorosas e amargas provações
coletivas, para todos os espíritos que participaram dela, na medida justa das
responsabilidades pessoais entre si. E é em razão disso que, mais tarde, vemos
o povo nobre e culto de Atenas fornecendo escravos valorosos e sábios aos
espíritos agressivos e enérgicos de Roma. Eles iam nas galeras suntuosas,
humilhados e oprimidos, sem embargo das suas elevadas noções da vida, do amor,
da liberdade e da justiça. É verdade que iam instaurar um novo período de
progresso espiritual para as coletividades romanas, com os seus luminosos
ensinamentos, mas o processo evolutivo poderia ladear outros caminhos, longe do
morticínio e da escravidão. Todavia, sobre a fronte de muitos gregos ilustres,
pairava o sanguinolento labéu daquela injusta condenação, labéu ignominioso que
a Grécia deveria lavar com as lágrimas dolorosas da compunção e do cativeiro.
97
XI
Roma
O POVO ETRUSCO
Reconhecendo as dedicações ao trabalho, por parte de todos os
Espíritos que se haviam localizado na Itália primitiva, então dividida em duas
partes importantes, que eram a Gália Cisalpina e a Magna Grécia, ao norte e ao
sul da península, os prepostos e auxiliares de Jesus projetam a fundação de
Roma, que se ergueu rapidamente, coroada de lendas numerosas, para desempenhar
tão grande papel na evolução do Mundo. A esse tempo, o Vale do Pó era habitado
pelos etruscos, que se viam humilhados pelas
98 EMMANUEL constantes invasões dos gauleses. De todos os
elementos que formaram os ascendentes da Itália moderna, eram eles dos mais
esforçados, operosos e inteligentes Nas regiões da Toscana, possuíam largas
indústrias de metais, marinha notável, destacado progresso no amanho da terra
e, sobretudo, sentimentos evolvidos que os faziam diferentes das coletividades
mais próximas. Acreditavam na sobrevivência e ofereciam sacrifícios às almas
dos mortos, venerando os deuses cujas disposições, em cada dia, presumiam
conhecer através dos fenômenos comuns da Natureza. Atormentados e desgostosos
em face das lutas reiteradas com os gauleses, os etruscos decidiram tentar vida
nova e, guiados indiretamente pelos mensageiros do Invisível, grande parte
resolveu fixarse na Roma do porvir, que, então, nada mais era que um
agrupamento de cabanas humildes e desprotegidas. PRIMÓRDIOS DE ROMA Defendida
naturalmente pelo adensamento constante de população, a cidade mergulhou as
suas origens numa corrente profunda de histórias interessantes e maravilhosas,
onde as figuras de Enéias, de Réia Sílvia, de Rômulo e Remo assumiram papel
saliente e singularíssimo. A verdade, porém, é que os etruscos, em grande
maioria, edificaram as primeiras organizações da cidade, fundando escolas de
trabalho, transportando para aí as experiências mais valiosas dos outros povos,
criando uma nova
99 A CAMINHO DA LUZ terra com o seu esforço enérgico e
decidido. Lá encontraram eles as tribos latinas Ramnenses, Titienses e Lúceres,
congregadas para a edificação comum, das quais assumiram a direção por largos
anos, construindo os alicerces das realizações futuras. Quando Rômulo chegou,
seus olhos já contemplaram uma cidade próspera e trabalhadora, onde fez valer a
sua enérgica inteligência, mas não faltou à posteridade o gosto de tecer-lhe
uma coroa lendária e fantasiosa, chegando-se a afirmar que a sua figura fora
arrebatada no carro dos deuses, com destino ao Céu. INFLUÊNCIAS DECISIVAS
Desnecessária será a autópsia da História nos seus pontos mais divulgados e
conhecidos, quando o nosso único propósito é esclarecer o entendimento do
leitor, quanto à direção do planeta, que se conserva, de fato, no mundo
espiritual, de onde o Cristo vela incessantemente pelo orbe e pelos seus
destinos. Todavia, para fundamentar nossa asserção acerca das influências
etruscas nos primórdios de Roma, somos levados a recordar a figura de Tarquínio
Prisco, filho da Etrúria, que trouxe à cidade grandes reformas e inúmeras
inovações em todos os departamentos da sua consolidação e do seu progresso,
lembrando, entre as suas muitas renovações, a construção da Cloaca Máxima e do
Capitólio. Seu sucessor, Sérvio Túlio, era igualmente da sua família. Este,
dividiu todo o povo da cidade em classes e centúrias, segundo as possibilidades
financeiras de cada um,
100 EMMANUEL desgostando os patrícios, a esse tempo já
organizados, em virtude de essa reforma apresentar-se dentro de características
liberais, não obstante as suas finalidades militares. Onde, porém, mais se
evidenciam as influências etruscas, nas organizações romanas, é justamente na
alma popular, devotada aos gênios, aos deuses e às superstições de toda
espécie, que seriam multiplicadas em seus contactos com a Grécia. Cada família,
como cada lar, possuía o seu gênio invisível e amigo, e, na sociedade,
alastravam-se as comunidades religiosas, culminando no Colégio dos Pontífices,
cuja fundação remonta ao passado longínquo da cidade. Esse Colégio foi depois
substituído pelo Pontífice Máximo, chefe supremo das correntes religiosas, do
qual os bispos romanos iam extrair, mais tarde, o Vaticano e o Papado dos
tempos modernos. Os romanos, ao contrário dos atenienses, não procuravam muitas
indagações transcendentes em matéria religiosa ou filosófica, atendendo somente
aos problemas do culto externo, sem muitas argumentações com a lógica, e foi
por isso que, com a evolução da cidade, o Panteão, seu templo mais
aristocrático, chegou a possuir mais de trinta mil deuses. OS PATRÍCIOS E OS
PLEBEUS Depois dos últimos Tarquínios, que procuraram intensificar os poderes
militares da realeza, proclama-se a República, que fica governada por dois
magistrados patrícios, assistidos pelo Senado. Grandes medidas são exe-
101 A CAMINHO DA LUZ 101 cutadas para consolidar a supremacia
romana, mas as classes pobres, oprimidas pelas mais ricas, que gozavam de todos
os direitos, revoltaramse em face da penosa situação em que as colocavam as
possibilidades da ditadura preconizada pelos senadores, em casos especiais com
poderes soberanos e amplos em todas as questões da vida e morte de cada um.
Inspirados pelas forças espirituais que os assistiam, os plebeus em massa
abandonaram a cidade, retirando-se para o Monte Sagrado, mas os patrícios,
examinando a gravidade daquela atitude extrema, lhes enviam Menênio Agripa,
cuja palavra se desincumbe com felicidade da diligência que lhe fora cometida,
contando aos rebeldes o apólogo dos membros e do estômago, que constituem, no
mecanismo de sua harmonia, o perfeito organismo de um corpo. A plebe concorda
em regressar à cidade, embora impondo condições quase que irrestritamente
aceitas. Os tribunos da plebe inauguram, então, um período de belas conquistas
dos direitos humanos, culminando na Lei Canuleia, que permitia o casamento
entre patrícios e plebeus e com a Lei Ogúlnia, que conferia a estes últimos as
próprias funções sacerdotais. A FAMÍLIA ROMANA Muito poderíamos comentar, à
margem da História, mas outros são os nossos fins, considerando-nos no dever de
salientar aqui as sagradas virtudes romanas, na instituição do colégio da
família, em muitas circunstâncias superior ao da própria Grécia cheia de
sabedoria e beleza. 102 EMMANUEL A família romana, em suas tradições gloriosas,
está constituída no mais sublime respeito às virtudes heróicas da mulher e na
perfeita compreensão dos deveres do homem, ante os seus sucessores e os seus
antepassados. Lembrando-nos de Roma no seu áureo período de trabalho,
enchese-nos ó olhar de lágrimas amargas... Que gênio maldito imiscuiu-se nessa
organização sublimada em seus mais íntimos fundamentos, devorando-lhe as
esperanças mais nobres, corrompendo-lhe os sentimentos, relaxandolhe as
energias? Que força devastadora derrubou todas as suas estátuas gloriosas de
virtude? Debalde, a mão misericordiosa de Jesus desceu sobre a sua fronte,
levantando-a de quedas tenebrosas, antes dos tristes espetáculos do seu
arrasamento. Os abusos de poder e de liberdade dos seus habitantes fizeram do
ninho do amor e do trabalho um amontoado de rumarias, afundando-o num mar de
lodo sanguinolento. AS GUERRAS E A MAIORIDADE TERRESTRE Em breve, porém, a
família romana, cheia das tradições de generosa beleza, foi dilacerada pelos
gênios militares e pelos espíritos guerreiros. O progresso incessante da cidade
formava a tendência geral ao expansionismo em todos os domínios. Entretanto, os
pródromos do Direito Romano e a organização da família assinalavam
103 A CAMINHO DA LUZ o período da maioridade terrestre. O
homem com semelhantes conquistas, estava a desferir o vôo para as mais altas
esferas espirituais. As legiões magnânimas do Cristo aprestam-se para as
últimas preparações de seus gloriosos caminhos na face do mundo. O Evangelho
deveria chegar como a mensagem eterna do amor, da luz e da verdade para todos
os seres. Todavia, a liberdade pessoal e coletiva é respeitada pelo plano
invisível e Roma não se mostra digna das numerosas dádivas recebidas. Em vez de
estender os seus laços pela educação e pela concórdia, deixa prender-se por uma
legião de espíritos agressivos e ambiciosos, alargando a sua influência pelo
mundo com as balistas e catapultas dos seus guerreiros. Depois das conquistas da
Península, empreende a conquista do mundo, com as guerras púnicas, terminando
por submeter todo o Oriente, onde também se encontrava a Grécia esgotada e
vencida. Os enviados do Cristo harmonizam esses terríveis movimentos no
instituto das provações necessárias aos indivíduos e aos seus agrupamentos;
todavia, a realidade é que Roma assumia, igualmente, as mais pesadas
responsabilidades e os mais penosos débitos, diante da Justiça Divina. Suas
águias vitoriosas cruzam, então, todos os mares; o Mediterrâneo é propriedade
sua e o Império Romano é o Império do homem, ouvindo-se a voz diretora de um só
homem para quase todas as regiões povoadas da Terra.
104 EMMANUEL NAS VÉSPERAS DO SENHOR As forças do invisível,
porém, não descansaram. Muitas lágrimas foram vertidas, no Alto, em vista de
tão nefastos acontecimentos. O Cristo reúne as assembléias de seus emissários.
A Terra não podia perder a sua posição espiritual, depois das conquistas da
sabedoria ateniense e da família romana. É então que se movimentam as entidades
angélicas do sistema, nas proximidades da Terra, adotando providências de vasta
e generosa importância. A lição do Salvador deveria, agora, resplandecer para
os homens, controlando-lhes a liberdade com a exemplificação perfeita do amor.
Todas as providências são levadas a efeito. Escolhem-se os instrutores, os
precursores imediatos, os auxiliares divinos. Uma atividade única registra-se,
então, nas esferas mais próximas do planeta, e, quando reinava Augusto, na sede
do governo do mundo, viu-se uma noite cheia de luzes e de estrelas
maravilhosas. Harmonias divinas cantavam um hino de sublimadas esperanças no
coração dos homens e da Natureza. A manjedoura é o teatro de todas as
glorificações da luz e da humildade, e, enquanto alvorecia uma nova era para o
globo terrestre, nunca mais se esqueceria o Natal, a "noite silenciosa,
noite santa".
105
XII
A vinda de Jesus
A MANJEDOURA
A manjedoura assinalava o ponto inicial da lição salvadora do
Cristo, como a dizer que a humildade representa a chave de todas as virtudes.
Começava a era definitiva da maioridade espiritual da Humanidade terrestre, de
vez que Jesus, com a sua exemplificação divina, entregaria o código da
fraternidade e do amor a todos os corações. Debalde os escritores materialistas
de todos os tempos vulgarizaram o grande acontecimento, ironizando os altos
fenômenos mediú-
106 EMMANUEL nicos que o precederam. As figuras de Simeão,
Ana, Isabel, João Batista, José, bem como a personalidade sublimada de Maria,
têm sido muitas vezes objeto de observações injustas e maliciosas; mas a
realidade é que somente com o concurso daqueles mensageiros da Boa Nova,
portadores da contribuição de fervor, crença e vida, poderia Jesus lançar na
Terra os fundamentos da verdade inabalável. O CRISTO E OS ESSÊNIOS Muitos
séculos depois da sua exemplificação incompreendida, há quem o veja entre os
essênios, aprendendo as suas doutrinas, antes do seu messianismo de amor e de
redenção. As próprias esferas mais próximas da Terra, que pela força das
circunstâncias se acercam mais das controvérsias dos homens que do sincero
aprendizado dos espíritos estudiosos e desprendidos do orbe, refletem as opiniões
contraditórias da Humanidade, a respeito do Salvador de todas as criaturas. O
Mestre, porém, não obstante a elevada cultura das escolas essênias, não
necessitou da sua contribuição. Desde os seus primeiros dias na Terra,
mostrou-se tal qual era, com a superioridade que o planeta lhe conheceu desde
os tempos longínquos do princípio. CUMPRIMENTO DAS PROFECIAS DE ISRAEL Do seu
divino apostolado nada nos compete dizer em acréscimo das tradições que a
cultura
107 A CAMINHO DA LUZ evangélica apresentou em todos os
séculos posteriores à sua vinda à Terra, reafirmando, todavia, que a sua lição
de amor e de humildade foi única em todos os tempos da Humanidade. Dele
asseveraram os profetas de Israel, muito tempo antes da manjedoura e do
calvário: - "Levantar-se-á como um arbusto verde, vivendo na ingratidão de
um solo árido, onde não haverá graça nem beleza. Carregado de opróbrios e
desprezado dos homens, todos lhe voltarão o rosto. Coberto de ignomínias, não
merecerá consideração. É que Ele carregará o fardo pesado de nossas culpas e de
nossos sofrimentos, tomando sobre si todas as nossas dores. Presumireis na sua
figura um homem vergando ao peso da cólera de Deus, mas serão os nossos pecados
que o cobrirão de chagas sanguinolentas e as suas feridas hão de ser a nossa
redenção. Somos um imenso rebanho desgarrado, mas, para nos reunir no caminho
de Deus, Ele sofrerá o peso das nossas iniquidades. Humilhado e ferido, não
soltará o mais leve queixume, deixando-se conduzir como um cordeiro ao
sacrifício. O seu túmulo passará como o de um malvado e a sua morte como a de
um ímpio. Mas, desde o momento em que oferecer a sua vida, verá nascer uma
posteridade e os interesses de Deus hão de prosperar nas suas mãos." A
GRANDE LIÇÃO Sim, o mundo era um imenso rebanho desgarrado. Cada povo fazia da
religião uma nova fonte de vaidades, salientando-se que muitos cultos
religiosos do Oriente caminhavam para
108 EMMANUEL o terreno franco da dissolução e da imoralidade;
mas o Cristo vinha trazer ao mundo os fundamentos eternos da verdade e do amor.
Sua palavra, mansa e generosa, reunia todos os infortunados e todos os
pecadores. Escolheu os ambientes mais pobres e mais desataviados para viver a
intensidade de suas lições sublimes, mostrando aos homens que a verdade
dispensava o cenário suntuoso dos areópagos, dos fóruns e dos templos, para
fazer-se ouvir na sua misteriosa beleza. Suas pregações, na praça pública,
verificam-se a propósito dos seres mais desprotegidos e desclassificados. como
a demonstrar que a sua palavra vinha reunir todas as criaturas na mesma
vibração de fraternidade e na mesma estrada luminosa do amor. Combateu
pacificamente todas as violências oficiais do judaísmo, renovando a Lei Antiga
com a doutrina do esclarecimento, da tolerância e do perdão. Espalhou as mais claras
visões da vida imortal, ensinando às criaturas terrestres que existe algo
superior às pátrias, às bandeiras, ao sangue e às leis humanas. Sua palavra
profunda, enérgica e misericordiosa, refundiu todas as filosofias, aclarou o
caminho das ciências e já teria irmanado todas as religiões da Terra, se a
impiedade dos homens não fizesse valer o peso da iniquidade na balança da
redenção. A PALAVRA DIVINA Não nos compete fornecer uma nova interpretação das
palavras eternas do Cristo, nos Evangelhos. Semelhante interpretação está fei-
109 A CAMINHO DA LUZ ta por quase todas as escolas religiosas
do mundo, competindo apenas às suas comunidades e aos seus adeptos a observação
do ensino imortal, aplicando-a a si próprios, no mecanismo da vida de relação,
de modo que se verifique a renovação geral, na sublime exemplificação, porque,
se a manjedoura e a cruz constituem ensinamento inolvidável, muito mais devem
representar, para nós outros, os exemplos do Divino Mestre, no seu trato com as
vicissitudes da vida terrestre. De suas lições inesquecíveis, decorrem
conseqüências para todos os departamentos da existência planetária, no sentido
de se renovarem os institutos sociais e políticos da Humanidade, com a
transformação moral dos homens dentro de uma nova era de justiça econômica e de
concórdia universal. Pode parecer que as conquistas do verdadeiro Cristianismo
sejam ainda remotas, em face das doutrinas imperialistas da atualidade, mas é
preciso reconhecer que dois mil anos já dobaram sobre a palavra divina. Dois mil
anos em que os homens se estraçalharam em seu nome, inventando bandeiras de
separatividade e destruição. Incendiaram e trucidaram, em nome dos seus ensinos
de perdão e de amor, massacrando esperanças em todos os corações. Contudo, o
século que passa deve assinalar uma transformação visceral nos departamentos da
vida. A dor completará as obras generosas da verdade cristã, porque os homens
repeliram o amor em suas cogitações de progresso.
110 EMMANUEL CREPÚSCULO DE UMA CIVILIZAÇÃO Uma nuvem de fumo
vem-se formando, há muito tempo, nos horizontes da Terra cheia de indústrias de
morte e destruição. Todos os países são convocados a conferirem os valores da
maturação espiritual da Humanidade, verificada no orbe há dois milênios. O
progresso científico dos povos e as suas mais nobres e generosas conquistas são
reclamados pelo banquete do morticínio e da ambição, e, enquanto a política do
mundo se sente manietada ante os dolorosos fenômenos do século, registram-se
nos espaços novas atividades de trabalho, porque a direção da Terra está nas
mãos misericordiosas e augustas do Cordeiro. O EXEMPLO DO CRISTO Sem nos
referirmos, porém, aos problemas da política transitória do mundo, lembremos,
ainda, que a lição do Cristo ficou para sempre na Terra, como o tesouro de todos
os infortunados e de todos os desvalidos. Sua palavra construiu a fé nas almas
humanas, fazendo-lhes entrever os seus gloriosos destinos. Haja necessidade e
tornaremos a ver a crença e a esperança reunindo-se em novas catacumbas
romanas, para reerguerem o sentido cristão da civilização da Humanidade. É,
muitas vezes, nos corações humildes e aflitos que vamos encontrar a divina
palavra cantando o hino maravilhoso dos bem aventurados.
111 A CAMINHO DA LUZ E, para fechar este capítulo, lembrando
a influência do Divino Mestre em todos os corações sofredores da Terra,
recordemos o episódio do monge de Manilha, que, acusado de tramar a liberdade
de sua pátria contra o jugo dos espanhóis, é condenado à morte e conduzido ao
cadafalso. No instante do suplício, soluça desesperadamente o mísero condenado
- "Como, pois, será possível que eu morra assim inocente? Onde está a
justiça? Que fiz eu para merecer tão horrendo suplício?" Mas um
companheiro corre ao seu encontro e murmura-lhe aos ouvidos: - "Jesus
também era inocente!..." Passa, então, pelos olhos da vítima, um clarão de
misteriosa beleza. Secam-se as lágrimas e a serenidade lhe volta ao semblante
macerado, e, quando o carrasco lhe pede perdão, antes de apertar o parafuso
sinistro, ei-lo que responde resignado: - "Meu filho, não só te perdôo
como ainda te peço cumpras o teu dever."
113
XIII
O Império Romano e seus desvios
OS DESVIOS ROMANOS
Reportando-nos ainda às conquistas romanas, antes da chegada
do Senhor para as primeiras florações do Cristianismo, devemos lembrar o
esforço despendido pelas entidades espirituais, junto das autoridades
organizadoras e conservadoras da República, no sentido de orientar-se a
atividade geral para um grande movimento de fraternidade e de união de todos os
povos do planeta. Os pensadores que hoje sonham a criação dos Estados Unidos do
Mundo, sem os movi-
114 EMMANUEL mentos odiosos das guerras fratricidas, podem
sondar os desígnios do plano invisível naquela época. A Grécia havia
perscrutado, na medida do possível, todos os problemas transcendentes da vida.
Nas suas lutas expiatórias, transferira as suas experiências e conhecimentos
para a família romana, então apta para as grandes tarefas do Estado. À força de
educação e de amor, poderia esta última unificar as bandeiras do orbe, criando
um novo roteiro à evolução coletiva e estabelecendo as linhas paralelas do
progresso físico e moral da Humanidade terrestre. Todos os esforços foram
despendidos, nesse particular, pelos emissários do plano invisível, e a prova
desse grandioso projeto de trabalho unitário é que a obra do Império Romano foi
das mais primorosas, em matéria educativa, com vistas à organização das
nacionalidades modernas. O próprio instinto democrático da Inglaterra e da
França, bem como as suas elevadas obras de socialização, ainda representam
frutos da missão educativa do Império, no seio da Humanidade. O caminho dos
romanos ficou juncado de sementes e de luzes para o porvir A realidade,
contudo, é que, se os mensageiros do Cristo conseguiram a realização de muitos planos
generosos, no seio da comunidade de então, não podiam interferir na liberdade
isolada da grande maioria dos seus membros. OS ABUSOS DA AUTORIDADE E DO PODER
Em breve, os abusos da autoridade e do poder embriagavam a cidade valorosa.
Toda
115 A CAMINHO DA LUZ a sede do governo parecia invadida por
uma avalancha de forças perversoras, das mais baixas esferas dos planos
invisíveis. A família romana, cujo esplendor espiritual conseguiu atravessar
todas as eras, iluminando os agrupamentos da atualidade, parecia atormentada
pelos mais tenazes inimigos ocultos, que, aos poucos, lhe minaram as bases mais
sólidas, mergulhando-a na corrupção e no extermínio de si mesma, dada a
ausência de vigilância de suas sentinelas mais avançadas. Denso nevoeiro
obscurecia todas as consciências, e a sociedade alegre e honesta, rica de
sentimentos enobrecedores, foi pasto de crimes humilhantes, de tragédias
lúgubres e miserandos assassínios. As classes abastadas aproveitavam a pletora
de poder instalando-se no carro da opressão, que deixava atrás de si um rastro
fumegante de revolta e de sangue. Os Gracos, filhos da veneranda Cornélia, são
quase que os derradeiros traços de uma época caracterizada pela administração
enérgica, mas equânime, cheia de honestidade, de sabedoria e de justiça. OS
CHEFES DE ROMA Depois de Caio, assassinado no Aventino, embora se fizesse supor
um suicídio, instala-se definitivamente um regime de quase completa dissolução
das grandes conquistas morais realizadas. Sobe Mário ao poder, depois das
vitórias contra Jugurta e contra os germanos, que haviam, por sua vez, invadido
o território das
116 EMMANUEL Gálias. Mas os antagonismos sociais levam Sua ao
poder, travando-se lutas cruentas, como vésperas escuras de sangrentas
derrocadas Em seguida, surgem Pompeu e a revolução de Catilina, muito
conseguindo a prudência de Cícero em favor da segurança da cidade Verifica-se,
logo após, o primeiro triunvirato com a política maneirosa de Caio Júlio César,
que se alia a Pompeu e a Crasso para as supremas obrigações do governo. As
citações históricas, todavia, desviariam os objetivos do nosso esforço. Nossa
intenção é mostrar que o determinismo do mundo espiritual era o do amor, da
solidariedade e do bem, mas os próprios homens, na esfera relativa de suas
liberdades, modificaram esse determinismo superior, no curso incessante da
civilização. Os generais romanos podiam conquistar a ferro e fogo, desviandose
dos objetivos mais sagrados dos seus deveres e obrigações, levando aos outros
povos, pela força das armas, os liames que somente deveriam utilizar com a sua
cultura e experiência da vida; mas seus atos originaram os mais amargos frutos
de provação e sofrimento para a Humanidade terrestre, e é por isso que, em sua
quase totalidade, entraram no plano espiritual seguidos de perto pelas suas
numerosas vítimas, entre as vozes desesperadas das mais acerbas acusações.
Muitos deles, decorridos decênios infindáveis de martírios expiatórios, podiam
ser vistos sem as suas armaduras elegantes, arrastando-se como vermes ao longo
das margens do Tibre, ou estendendo as mãos asquerosas, como mendigos
detestados do Esquilino.
117 A CAMINHO DA LUZ O SÉCULO DE AUGUSTO Terminados os
triunviratos, eis que ia cumprir-se a missão do Cristo, depois de instalados os
primeiros Césares do Império Romano. A aproximação e a presença consoladora do
Divino Mestre no mundo era motivo para que todos os corações experimentassem
uma vida nova, ainda que ignorassem a fonte divina daquelas vibrações
confortadoras. Em vista disso, o governo de Augusto decorreu em grande
tranqüilidade para Roma e para o resto das sociedades organizadas do planeta.
Realizam-se gigantescos esforços edificadores ou reconstrutivos. Belos
monumentos são erigidos. O espírito artístico e filantrópico de Atenas revive
na pessoa de Mecenas, confidente do imperador, cuja generosidade dispensa a
mais carinhosa atenção às inteligências estudiosas e superiores da época, quais
Horácio e Vergílio, que assinalam, junto de outras nobres expressões
intelectuais do tempo, a passagem do chamado "século de Augusto", com
as suas obras numerosas. TRANSIÇÃO DE UMA ÉPOCA Depois de Augusto, aparece à
barra da História a personalidade disfarçada e cruel de Tibério, seu filho
adotivo, que vê terminar a era de paz, de trabalho e concórdia, com o regresso
do Cordeiro às regiões sublimadas da Luz. É nesse reinado que a Judéia leva a
efeito a tragédia do Gólgota, realizando sinistramente as mais remotas
profecias.
118 EMMANUEL Não obstante o seu compassivo e desvelado amor,
o Divino Mestre é submetido aos martírios da cruz, por imposição do judaísmo,
que lhe não compreendeu o amor e a humildade. Roma colabora no doloroso
acontecimento com a indiferença fria de Pôncio Pilatos, retornando aos seus
festins e aos seus prazeres, como se desconhecesse as finalidades mais nobres
da vida. Seguindo a mesma estrada escura de Tibério, Calígula inaugura um
período longo de sombras, de massacres e de incêndios, de devastação e de
sangue. PROVAÇÕES COLETIVAS DOS JUDEUS E DOS ROMANOS Os seguidores humildes do
Nazareno iniciam, nas regiões da Palestina, as suas predicações e ensinamentos.
Raros apóstolos sabiam da missão sublimada daquela doutrina sacrossanta, que
mandava fazer o bem pelo mal e instituía o perdão aos próprios inimigos. De
perto, seguemlhes a atividade os emissários solícitos do Senhor, preparando os
caminhos da revolução ideológica do Evangelho. Esses mensageiros do Alto
iniciam, igualmente e de modo indireto, o esforço de auxílio ao Império nas
suas dolorosas provações coletivas. Um perfeito trabalho de seleção se verifica
no ambiente espiritual das coletividades romanas. Chovem inspirações do Alto
preludiando as dores de Jerusalém e as amarguras da cidade imperial. Vaticínios
sinistros pesam sobre todos os espíritos rebeldes e culpados, e a
119 A CAMINHO DA LUZ verdade é que, depois do cerco de
Jerusalém, quando Tito destruiu a cidade, arrasando-lhe o Templo famoso e
dispersando para sempre os israelitas, viu o orgulhoso vencedor mudar-se o
curso das dores para a sociedade do Império, atormentada pelas tempestades de
fogo e cinza que arrasaram Estábias, Herculânum e Pompéia, destruindo milhares
de vidas florescentes e desequilibrando a existência romana para sempre. FIM DA
VAIDADE HUMANA O Império Romano, que poderia ter levado a efeito a fundação de
um único Estado na superfície do mundo, em virtude da maravilhosa unidade a que
chegou e mercê do esforço e da proteção do Alto, desapareceu num mar de ruínas,
depois das suas guerras, desvios e circos cheios de feras e gladiadores. O
imenso organismo apodreceu nas chagas que lhe abriram a incúria e a impiedade
dos próprios filhos e, quando não foi mais possível o paliativo da misericórdia
dos espíritos abnegados e compassivos, dada a galvanização dos sentimentos
gerais na mesa larga dos excessos e prazeres terrestres, a dor foi chamada a
restabelecer o fundamento da verdade nas almas. Da orgulhosa cidade dos
imperadores não restaram senão pedras sobre pedras. Sob o látego da expiação e
do sofrimento, os Espíritos culpados trocaram a sua indumentária para a
evolução e para o resgate no cenário infinito da vida, e, enquanto muitos deles
ainda choram
120 EMMANUEL nos padecimentos redentores, gemem sobre as
ruínas do Coliseu de Vespasiano os ventos tristes e lamentosos da noite.
121
XIV
A edificação cristã
OS PRIMEIROS CRISTÃOS
Atingindo um período de nova compreensão concernente aos mais
graves problemas da vida, a sociedade da época sentia de perto a insuficiência
das escolas filosóficas conhecidas, no propósito de solucionar as suas grandes
questões. A idéia de uma justiça mais perfeita para as classes oprimidas
tornara-se assunto obsidente para as massas anônimas e sofredoras. Em virtude
dos seus postulados sublimes de fraternidade, a lição do Cristo representava
122 EMMANUEL o asilo de todos os desesperados e de todos os
tristes. As multidões dos aflitos pareciam ouvir aquela misericordiosa
exortação: - "Vinde a mim, vós todos que sofreis e tendes fome de justiça
e eu vos aliviarei" - e da cruz chegava-lhes, ainda, o alento de uma
esperança desconhecida. A recordação dos exemplos do Mestre não se restringia
aos povos da Judéia, que lhe ouviram diretamente os ensinos imorredouros.
Numerosos centuriões e cidadãos romanos conheceram pessoalmente os fatos
culminantes das pregações do Salvador. Em toda a Ásia Menor, na Grécia, na
África e mesmo nas Gálias, como em Roma, falava-se dEle, da sua filosofia nova
que abraçava todos os infelizes, cheia das claridades sacrossantas do reino de
Deus e da sua justiça. Sua doutrina de perdão e de amor trazia nova luz aos corações
e os seus seguidores destacavam-se do ambiente corrupto do tempo, pela pureza
de costumes e por uma conduta retilínea e exemplar. A princípio, as autoridades
do Império não ligaram maior importância à doutrina nascente, mas os Apóstolos
ensinavam que, por Jesus-Cristo, não mais poderia haver diferença entre os
livres e os escravos, entre patrícios e plebeus, porque todos eram irmãos,
filhos do mesmo Deus. O patriciado não podia ver com bons olhos semelhantes
doutrinas. Os cristãos foram acusados de feiticeiros e heréticos, iniciandose o
martirológio com os primeiros editos de proscrição. O Estado não permitia
outras associações independentes, além daquelas consideradas como cooperativas
funerárias e, aproveitando essa exceção, os seguidores do Cru-
123 A CAMINHO DA LUZ cificado começaram os famosos movimentos
das catacumbas. A PROPAGAÇÃO DO CRISTIANISMO Na Judéia cresce, então, o número
dos prosélitos da nova crença. O hino de esperanças da manjedoura e do calvário
espalha nas almas um suave e eterno perfume. É assim que os Apóstolos, cuja
tarefa o Cristo abençoara com a sua misericórdia, espalham as claridades da Boa
Nova por toda a parte, repartindo o pão milagroso da fé com todos os famintos
do coração. A doutrina do Crucificado propaga-se com a rapidez do relâmpago.
Fala-se dela, tanto em Roma como nas Gálias e no norte da África. Surgem os
advogados e os detratores. Os prosélitos mais eminentes buscam doutrinar,
disseminando as idéias e interpretações. As primeiras igrejas surgem ao pé de
cada Apóstolo, ou de cada discípulo mais destacado e estudioso. A centralização
e a unidade do Império Romano facilitaram o deslocamento dos novos
missionários, que podiam levar a palavra de fé ao mais obscuro recanto do
globo, sem as exigências e os obstáculos das fronteiras. Doutrina alguma
alcançara no mundo semelhante posição, em face da preferência das massas. É que
o Divino Mestre selara com exemplos as palavras de suas lições imorredouras.
Maior revolucionário de todas as épocas, não empunhou outra arma além daquelas
que
124 EMMANUEL significam amor e tolerância, educação e
aclaramento. Condenou todas as hipocrisias, insurgiu-se contra todas as
violências oficializadas, ensinando simultaneamente aos discípulos o amor
incondicional à ordem, ao trabalho e à paz construtiva. É por essa razão que os
Evangelhos constituem o livro da Humanidade, por excelência. Sua simplicidade e
singeleza transparecem na tradução de todas as línguas da Terra, prendendo a
alma dos homens entre as luzes do Céu, ao encanto suave de suas narrativas. A
REDAÇÃO DOS TEXTOS DEFINITIVOS Nesse tempo, quando a guerra formidável da
critica procurava minar o edifício imortal da nova doutrina, os mensageiros do
Cristo presidem à redação dos textos definitivos, com vistas ao futuro, não
somente junto aos Apóstolos e seus discípulos, mas igualmente junto aos núcleos
das tradições. Os cristãos mais destacados trocam, entre si, cartas de alto
valor doutrinário para as diversas igrejas. São mensagens de fraternidade e de
amor, que a posteridade muita vez não pôde ou não quis compreender. Muitas
escolas literárias se formaram nos últimos séculos, dentro da crítica
histórica, para o estudo e elucidação desses documentos. A palavra
"apócrifo" generalizou-se como o espantalho de todo o mundo. Histórias
numerosas foram escritas. Hipóteses incontáveis foram aventadas, mas os sábios
materialistas, no estudo das idéias religiosas, não puderam
125 A CAMINHO DA LUZ sentir que a intuição está acima da
razão e, ainda uma vez, falharam, em sua maioria, na exposição dos princípios e
na apresentação das grandes figuras do Cristianismo. A grandeza da doutrina não
reside na circunstância de o Evangelho ser de Marcos ou de Mateus, de Lucas ou
de João; está na beleza imortal que se irradia de suas lições divinas, atravessando
as idades e atraindo os corações. Não há vantagem nas longas discussões quanto
à autenticidade de uma carta de Inácio de Antioquia ou de Paulo de Tarso,
quando o raciocínio absoluto não possui elementos para a prova concludente e
necessária. A opinião geral rodopiará em torno do crítico mais eminente,
segundo as convenções. Todavia, a autoridade literária não poderá apresentar a
equação matemática do assunto. É que, portas a dentro do coração, só a essência
deve prevalecer para as almas e, em se tratando das conquistas sublimadas da
fé, a intuição tem de marchar à frente da razão, preludiando generosos e
definitivos conhecimentos. A MISSÃO DE PAULO No trabalho de redação dos
Evangelhos, que constituem, sem dúvida, o portentoso alicerce do Cristianismo, verificavam-se,
nessa época, algumas dificuldades para que se lhes desse o precioso caráter
universalista. Todos os Apóstolos do Mestre haviam saído do teatro humilde de
seus gloriosos ensinamentos; mas, se esses pescadores valorosos eram elevados
Espíritos em missão, precisamos con-
126 EMMANUEL siderar que eles estavam muito longe da situação
de espiritualidade do Mestre, sofrendo as influências do meio a que foram
conduzidos. Tão logo se verificou o regresso do Cordeiro às regiões da Luz, a
comunidade cristã, de modo geral, começou a sofrer a influência do judaísmo, e
quase todos os núcleos organizados, da doutrina, pretenderam guardar feição
aristocrática, em face das novas igrejas e associações que se fundavam nos mais
diversos pontos do mundo. É então que Jesus resolve chamar o espírito luminoso
e enérgico de Paulo de Tarso ao exercício do seu ministério. Essa deliberação
foi um acontecimento dos mais significativos na história do Cristianismo. As
ações e as epístolas de Paulo tornam-se poderoso elemento de universalização da
nova doutrina. De cidade em cidade, de igreja em igreja, o convertido de
Damasco, com o seu enorme prestígio, fala do Mestre, inflamando os corações. A
princípio, estabelece-se entre ele e os demais Apóstolos uma penosa situação de
incompreensibilidade, mas sua influência providencial teve por fim evitar uma
aristocracia injustificável dentro da comunidade cristã, nos seus tempos
inesquecíveis de simplicidade e pureza. O APOCALIPSE DE JOÃO Alguns anos antes
de terminar o primeiro século, após o advento da nova doutrina, já as forças
espirituais operam uma análise da situação amargurosa do mundo, em face do
porvir.
127 A CAMINHO DA LUZ Sob a égide de Jesus, estabelecem novas
linhas de progresso para a civilização, assinalando os traços iniciais dos
países europeus dos tempos modernos. Roma já não representa, então, para o
plano invisível, senão um foco infeccioso que é preciso neutralizar ou remover.
Todas as dádivas do Alto haviam sido desprezadas pela cidade imperial,
transformada num vesúvio de paixões e de esgotamentos. O Divino Mestre chama
aos Espaços o Espírito João, que ainda se encontrava preso nos liames da Terra,
e o Apóstolo, atônito e aflito, lê a linguagem simbólica do invisível.
Recomenda-lhe o Senhor que entregue os seus conhecimentos ao planeta como
advertência a todas as nações e a todos os povos da Terra, e o velho Apóstolo
de Patmos transmite aos seus discípulos as advertências extraordinárias do
Apocalipse. Todos os fatos posteriores à existência de João estão ali previstos.
É verdade que freqüentemente a descrição apostólica penetra o terreno mais
obscuro; vê-se que a sua expressão humana não pôde copiar fielmente a expressão
divina das suas visões de palpitante interesse para a história da Humanidade.
As guerras, as nações futuras, os tormentos porvindouros, o comercialismo, as
lutas ideológicas da civilização ocidental, estão ali pormenorizadamente
entrevistos. E a figura mais dolorosa, ali relacionada, que ainda hoje se
oferece à visão do mundo moderno, é bem aquela da igreja transviada de Roma,
simbolizada na besta vestida de púrpura e embriagada com o sangue dos santos.
128 EMMANUEL IDENTIFICAÇÃO DA BESTA APOCALÍPTICA Reza o
Apocalipse que a besta poderia dizer grandezas e blasfêmias por 42 meses,
acrescentando que o seu número era o 666 (Apoc. XIII, 5 e 18). Examinando-se a
importância dos símbolos naquela época e seguindo o rumo certo das
interpretações, podemos tomar cada mês como sendo de 30 anos, em vez de 30
dias, obtendo, desse modo, um período de 1260 anos comuns, justamente o período
compreendido entre 610 e 1870, da nossa era, quando o Papado se consolidava,
após o seu surgimento, com o imperador Focas, em 607, e o decreto da
infalibilidade papal com Pio IX, em 1870, que assinalou a decadência e a ausência
de autoridade do Vaticano, em face da evolução científica, filosófica e
religiosa da Humanidade. Quanto ao número 666, sem nos referirmos às
interpretações com os números gregos, em seus valores, devemos recorrer aos
algarismos romanos, em sua significação, por serem mais divulgados e
conhecidos, explicando que é o Sumo-Pontífice da igreja romana quem usa os
títulos de "VICARIVS GENERALIS DEI IN TERRIS", "VICARIVS FILII
DEI" e "DVX CLERI" que significam "Vigário-Geral de Deus na
Terra", "Vigário do Filho de Deus" e "Príncipe do
Clero". Bastará ao estudioso um pequeno jogo de paciência, somando os
algarismos romanos encontrados em cada titulo papal a fim de encontrar a mesma
equação de 666, em cada um deles.
129 A CAMINHO DA LUZ Vê-se, pois, que o Apocalipse de João
tem singular importância para os destinos da Humanidade terrestre. O ROTEIRO DE
LUZ E DE AMOR Mas, voltemos aos nossos propósitos, cumprindo-nos reconhecer nos
Evangelhos uma luz maravilhosa e divina, que o escoar incessante dos séculos só
tem podido avivar e reacender. É que eles guardam a súmula de todos os
compêndios de paz e de verdade para a vida dos homens, constituindo o roteiro
de luz e de amor, através do qual todas as almas podem ascender às luminosas
montanhas da sabedoria dos Céus.
131
XV
A evolução do Cristianismo
PENOSOS COMPROMISSOS ROMANOS
Debalde tentaram as forças espirituais o aproveitamento dos
romanos na direção suprema do mundo. Todos os recursos possíveis foram
prodigalizados inutilmente à cidade imperial. A canalização de consideráveis
riquezas materiais, possibilitando a consolidação de um Estado único no
planeta, não fora esquecida, ao lado de todas as providências que se faziam
necessárias, do ponto de vista moral. Em vão, transplantara-se para Roma a
extraordinária sabedoria ateniense e a colaboração de todas as experiências dos
povos conquistados.
132 EMMANUEL Os Espíritos encarnados não conseguiram a
eliminação dos laços odiosos da vaidade e da ambição, sentindo-se traídos em
suas energias mais profundas, contraindo débitos penosos, perante os tribunais
da Justiça Divina. A vinda do Cristo ao cenáculo obscuro do planeta, trazendo a
mensagem luminosa da verdade e do amor, assinalara o período da maioridade
espiritual da Humanidade. Essa maioridade implicava direitos que, por sua vez,
se fariam acompanhar do agravo de responsabilidades e deveres para a solução de
grandes problemas educativos do coração. Se ao homem físico rasgavam-se os mais
amplos horizontes nos domínios do progresso material, os Evangelhos vinham trazer
ao homem espiritual um roteiro de novas atividades, educando-o convenientemente
para as suas arrojadas conquistas de ciência e de liberdade, com vistas ao
porvir. O aproveitamento desse processo educativo deveria ser levado a efeito
pela capital do mundo, de acordo com os desígnios do plano espiritual. Pesadas
forças da Treva, porém, aliaram-se às mais fortes tendências do homem
terrestre, constantemente inclinado aos liames do mal que o prendiam à Terra,
adstrito aos mais grosseiros instintos de conservação, e, enquanto os Espíritos
abnegados, do Alto, choram sobre os abusos de liberdade dos romanos, a cidade
dos Césares embriaga-se cada vez mais no vinho do ódio e da ambição, contraindo
dívidas penosas, entrelaçando os seus sentimentos com o ódio dos vencidos e dos
humilhados, criando negras perspectivas para o longínquo futuro.
133 A CAMINHO DA LUZ CULPAS E RESGATES DOLOROSOS DO HOMEM
ESPIRITUAL Ao coração misericordioso de Jesus chegam as preces dolorosas de
todos os operários da sua bendita semeadura. Seu olhar percuciente, todavia,
penetrara o âmago das almas e não fora em vão que recomendara o crescimento do
trigo e do joio nas mesmas leiras, somente a Ele competindo a separação, na
época da ceifa A limitada liberdade de ação dos indivíduos e das coletividades
é integralmente respeitada Cada qual é responsável pelos seus atos, recebendo
de conformidade com as suas obras. Foi por isso que Roma teve oportunidade de
realizar seus propósitos e desígnios políticos; mas a Justiça Divina
acompanhou-lhe todos os passos, nos enormes desvios a que se conduziu,
comprometendo para sempre o futuro do homem espiritual, que somente agora
conhecerá um reajustamento nas amargurosas transições do século que passa. Um
laço pesado e tenebroso reuniu a cidade conquistadora aos povos que humilhara.
O ódio do verdugo e dos seus inimigos fundiu-se em séculos de provações e de
lutas expiatórias, para demonstrar que Jesus é o fundamento da Verdade e só o
amor é a sagrada finalidade da vida. Foi por essa razão que o conquistador e os
conquistados, unidos pelo ódio como calcetas algemados um ao outro nas galés da
amargura, compareceram periodicamente, nos Espaços, ante a misericórdia suprema
do Filho de Deus, prometendo a reparação e o resgate recíprocos, nos séculos do
porvir, fundando a civilização ocidental, como abençoada oficina dos seus novos
134 EMMANUEL trabalhos no esforço da fraternidade e da
regeneração. A bondade do Mestre fez florescer cidades valorosas e
progressistas, países cultos e fartos, onde as almas decaídas encontrassem
todos os elementos de edificação e aprimoramento. O homem físico continuou a
linha ascensional de sua evolução nas conquistas e descobrimentos, mas o homem
transcendente, a personalidade imortal, teria saído do oceano de lodo onde se
mergulhou, voluntariamente, há dois milênios? Respondam por nós as angustiosas
expectativas da hora presente. OS MÁRTIRES Antes do movimento de propagação das
ideias cristãs no seio da sociedade romana, já os prepostos de Jesus se
preparavam para auxiliar os missionários da nova fé, conhecendo a reação dos
patrícios em face dos postulados de fraternidade da nova doutrina. As classes
mais abastadas não podiam tolerar semelhantes princípios de igualdade, quais os
que preconizavam as lições do Nazareno, considerados como postulados de
covardia moral, incompatíveis com a orgulhosa filosofia do Império, e é assim
que vemos os cristãos sofrendo os martírios da primeira perseguição, iniciada
no reinado de Nero, de tão dolorosas quão terríveis lembranças. Nenhum
instrumento de suplício foi esquecido na experimentação da fé e da constância
daquelas almas resignadas e heróicas. O açoite, a cruz, o cavalete, as unhas de
ferro, o fogo, os leões do circo,
135 A CAMINHO DA LUZ tudo foi lembrado para maior eficiência
da perseguição aos seguidores do Carpinteiro de Nazaré. Pedro e Paulo entregam
a vida na palma dos martírios santificadores e de Nero a Diocleciano uma nuvem
pesada, de sangue e de lágrimas, envolve a alma cristã, cheia de confiança na
Providência Divina. O próprio Marco Aurélio, cuja elevada estatura espiritual
recebera do Alto a missão de paralisar semelhantes desatinos, não conseguiu
deter a corrente de forças trevosas, mas o sangue dos cristãos era a seiva da
vida lançada às divinas sementes do Cordeiro, e os seus sacrifícios foram bem
os reflexos da amorosa vibração do ensinamento do Cristo, atravessando os
séculos da Terra para ser compreendido e praticado nos milênios do porvir. OS
APOLOGISTAS A doutrina cristã, todavia, encontrara nas perseguições os seus
melhores recursos de propaganda e de expansão. Seus princípios generosos
encontravam guarida em todos os corações, seduzindo a consciência de todos os
estudiosos de alma livre e sincera. Observa-se-lhe a influência no segundo
século, em quase todos os departamentos da atividade intelectual, com largos
reflexos na legislação e nos costumes. Tertuliano apresenta a sua apologia do
Cristianismo, provocando admiração e respeito gerais. Clemente de Alexandria e
Orígenes surgem com a sua palavra autorizada, defendendo a filosofia cristã, e
com eles levanta-se um verdadeiro exército
136 EMMANUEL de vozes que advogam a causa da verdade e da
justiça, da redenção e do amor.
O JEJUM E A ORAÇÃO
Os cristãos, contudo, não tiveram de início uma visão do
campo de trabalho que se lhes apresentava. Não atinaram que, se o jejum e a
oração constituem uma grande virtude na soledade, mais elevada virtude
representam quando levados a efeito no torvelinho das paixões desenfreadas, nas
lutas regeneradoras, a fim de aproveitar aos que os contemplam. Não
compreenderam imediatamente que esses preceitos evangélicos, acima de tudo,
significam sacrifício pelo próximo, perseverança no esforço redentor,
serenidade no trabalho ativo, que corrige e edifica simultaneamente.
Retirando-se para a vida monástica, povoaram os desertos na suposição de que se
redimiriam mais rapidamente para o Cordeiro. Uma ânsia de fugir das cidades
populosas fazia então vibrar todos os crentes, originando os erros da idade
medieval, quando o homem supunha encontrar nos conventos as antecâmaras do Céu.
O Oriente, com os seus desertos numerosos e os seus lugares sagrados,
afigura-se o caminho de todos quantos desejam fugir dos antros das paixões. Só
a grande montanha de Nítria chegou a possuir trinta mil anacoretas, exilados do
mundo e dos seus prazeres desastrosos. Entretanto, examinando essa decisão
desaconselhável dos primeiros tempos, somos levados a recordar que os cristãos
se haviam esquecido de que Jesus não desejava a morte do pecador.
137 A CAMINHO DA LUZ
CONSTANTINO
As forças espirituais que acompanhavam e acompanham todos os
movimentos do orbe, sob a égide de Jesus, procuram dispor os alicerces de novos
acontecimentos, que devem preparar a sociedade romana para o resgate e para a
provação. A invasão dos povos considerados bárbaros é então entrevista. Uma
forte anarquia militar dificulta a solução dos problemas de ordem coletiva,
elevando e abatendo imperadores de um dia para outro. Sentindo a aproximação de
grandes sucessos e antevendo a impossibilidade de manter a unidade imperial,
Diocleciano organiza a Tetrarquia, ou governo de quatro soberanos, com quatro
grandes capitais. Retirando-se para Salona, exausto da tarefa governativa,
ocorre a rebelião militar que aclama Augusto a Constantino, filho de Constâncio
Cloro, contrariando as disposições dos dois Césares, sucessores de Diocleciano
e Maximiano. A luta se estabelece e Constantino vence Maxêncio às portas de
Roma, penetrando a cidade, vitorioso, para ser recebido em triunfo. Junto dele,
o Cristianismo ascende à tarefa do Estado, com o edito de Milão.
O PAPADO
Desde a décima perseguição que o Cristianismo era considerado
em Roma como doutrina morta, mas os prepostos do Mestre não descansavam, com o
nobre fim de fazer valer os
138 EMMANUEL seus generosos princípios. A fatalidade
histórica reclamava a sua colaboração nos gabinetes da política do mundo e,
ainda uma vez, a indigência dos homens não compreendeu a dádiva do plano
espiritual, porque, logo depois da vitória, os bispos romanos solicitavam
prerrogativas injustas sobre os seus humildes companheiros de episcopado. O
mesmo espírito de ambição e de imperialismo, que de longo tempo trabalhava o
organismo do Império, dominou igualmente a igreja de Roma, que se arvorou em
suserana e censora de todas as demais do planeta. Cooperando com o Estado, faz
sentir a força das suas determinações arbitrárias. Trezentos anos lutaram os
mensageiros do Cristo, procurando ampará-la no caminho do amor e da humildade,
até que a deixaram enveredar pelas estradas da sombra, para o esforço de
salvação e de experiência, e, tão logo a abandonaram ao penoso trabalho de
aperfeiçoar-se a si mesma, eis que o imperador Focas favorece a criação do
Papado, no ano de 607. A decisão imperial faculta aos bispos de Roma
prerrogativas e direitos até então jamais justificados. Entronizam-se, mais uma
vez, o orgulho e a ambição da cidade dos Césares. Em 610, Focas é chamado ao
mundo dos invisíveis, deixando no orbe a consolidação do Papado. Dessa data em
diante, ia começar um período de 1260 anos de amarguras e violências para a
civilização que se fundava.
139
XVI
A Igreja e a invasão dos bárbaros
VITÓRIAS DO CRISTIANISMO
Constantino, no seu caminho de realizações, consegue levar a
efeito a nova organização administrativa do Império, começada no governo de
Diocleciano, dividindo-o em quatro Prefeituras, que foram as do Oriente, da
Ilíria, da Itália e das Gálias, que, por sua vez, eram divididas em dioceses
dirigidas respectivamente por prefeitos e vigários. Com a influência do
vencedor da ponte Mílvius, efetua-se o Concílio Ecumênico de Nicéia para
combater o cisma de Ário, padre de Alexandria, que negara a divindade do
Cristo. 140 EMMANUEL Os primeiros dogmas católicos saem, com força de lei,
desse parlamento eclesiástico de 325. Findo o reinado de Constantino, aparecem
os seus filhos, que lhe não seguem as tradições. Em seguida, Juliano, sobrinho
do imperador, eleva-se ao poder tentando restaurar os deuses antigos, em
detrimento da doutrina cristã, embora compreendesse a ineficácia do seu
tentâmen. Mas, por volta do ano 381, surge a figura de Teodósio, que declara o
Cristianismo religião oficial do Estado, decretando, simultaneamente, a
extinção dos derradeiros traços do politeísmo romano. É então que todos os
povos reconhecem a grande força moral da doutrina do Crucificado, pelo advento
da qual milhares de homens haviam dado a própria vida no campo do martírio e do
sacrifício, vendo-se o imperador, em 390, ajoelhar-se humildemente aos pés de
Ambrósio, bispo de Milão, a penitenciar-se das crueldades com que reprimira a
revolta dos tessalonicenses.
PRIMÓRDIOS DO CATOLICISMO
O Cristianismo, porém, já não aparecia com aquela mesma
humildade de outros tempos. Suas cruzes e cálices deixavam entrever a
cooperação do ouro e das pedrarias, mal lembrando a madeira tosca, da época
gloriosa das virtudes apostólicas. Seus concílios, como os de Nicéia,
Constantinopla, Éfeso e Calcedônia, não eram assembléias que imitassem as
reuniões plácidas e humildes da Galiléia. A união com o Estado era motivo para
grandes espetáculos de riqueza e 141 A CAMINHO DA LUZ vaidade orgulhosa, em
contraposição com os ensinos d’Aquele que não possuía uma pedra para repousar a
cabeça dolorida. As autoridades eclesiásticas compreendem que é preciso
fanatizar o povo, impondo-lhe suas idéias e suas concepções, e, longe de
educarem a alma das massas na sublime lição do Nazareno, entram em acordo com a
sua preferência pelas solenidades exteriores, pelo culto fácil do mundo
externo, tão do gosto dos antigos romanos pouco inclinados às indagações transcendentes.
A IGREJA DE ROMA
A igreja de Roma, que antes da criação oficial do Papado
considerava-se a eleita de Jesus, ao arvorar-se em detentora das ordenações de
Pedro, não perdia ensejos de firmar a sua injustificável primazia junto às suas
congêneres de Antioquia, de Alexandria e dos demais grandes centros da época.
Herdando os costumes romanos e suas disposições multisseculares, procurou um
acordo com as doutrinas consideradas pagãs, pela posteridade, modificando as
tradições puramente cristãs, adaptando textos, improvisando novidades
injustificáveis e organizando, finalmente, o Catolicismo sobre os escombros da
doutrina deturpada. Os bispos de Roma, abusando do fácil entendimento com as
autoridades políticas do Estado, impunham suas inovações arbitrárias,
contrariando as sublimes finalidades do ensinamento d’Aquele que preconizara a
humildade e o amor como os grandes caminhos da redenção. É assim que aparecem
novos dogmas, novas modalidades doutrinárias, o culto dos ídolos 142 EMMANUEL
nas igrejas, as espetaculosas festas do culto externo, copiados quase todos os
costumes da Roma anticristã.
A DESTRUIÇÃO DO IMPÉRIO
A fraqueza e a impenitência dos homens não lhes deixou
compreender que o Cristianismo fora chamado à tarefa do governo tãosomente para
educar o sentimento dos governantes, preparando-os para levar o esclarecimento
e a fraternidade aos outros povos da Terra, então considerados bárbaros pela
cultura do Império. Não obstante todos os esforços em contrário, dos
mensageiros de Jesus, Bonifácio III cria o Papado em 607, contrapondo-se a
todas as disposições de humildade que deveriam reger a vida da Igreja. As
forças do mal, aliadas à incúria e vaidade dos homens, haviam obtido um triunfo
relativo e transitório. Os gênios do Espaço, todavia, à claridade soberana da
misericórdia do Senhor, reúnem-se no Infinito, adotando providências novas,
concernentes ao progresso dos homens. Todos os recursos haviam sido
prodigalizados a Roma, a fim de que as suas expressões políticas e intelectuais
se estendessem pelo orbe, abrangendo todas as gentes no mesmo amplexo de amor e
de unidade; sua alma coletiva, no entanto, havia deturpado todas as
possibilidades sagradas de edificação e renegado todos os grandes ensinamentos.
Advertências penosas não lhe faltaram do Alto, como nos acontecimentos
inesquecíveis e dolorosos do Vesúvio, nas cidades da Campânia. Séculos de luta
e 143 A CAMINHO DA LUZ de ensinamento se haviam escoado, sem que a alma do
Império se compenetrasse dos seus deveres necessários. É então que Jesus determina
a transformação do Império organizado e poderoso. Suas águias orgulhosas haviam
singrado todos os mares, o Mediterrâneo era propriedade sua, todos os povos se
lhe curvavam para a homenagem e para a obediência, mas uma força invisível
arrancou-lhe todos os diademas, tirou-lhe as energias e lhe reduziu as glórias
a um punhado de cinzas. Até hoje, o espírito que investiga o passado inquire o
motivo desses sinistros arrasamentos; mas a verdade é que todos os fundamentos
da Terra residem em Jesus-Cristo.
A INVASÃO DOS BÁRBAROS
Essas determinações do Cristo, verificadas após o reinado de
Constantino, foram seguidas das primeiras grandes invasões com os visigodos
que, fugindo dos hunos, transpõem o Danúbio e estabelecem-se no oriente do
Império, penetrando depois na Grécia e na Itália, espalhando flagelos e
devastações. Debalde surgem as vitórias de Estilicão, porque, em 410, atingem
elas as portas de Roma, que fica entregue ao saque e às mais duras humilhações.
Em 405, é Radagásio que parte à frente de duzentos mil soldados, em demanda da
cidade imperial, sendo vencido, porém roubando as mais fortes economias
romanas. As provas expiatórias do Império prosseguem numa avalancha de dores
amargas. Apa- 144 EMMANUEL recem as correntes bárbaras dos alanos, dos
vândalos, dos suevos, dos burgúndios. Em 450, os hunos comandados por Átila
atacam as Gálias, perseguindo populações pacíficas e indefesas. A unidade
imperial perde a sua tradição, para sempre. Com as suas vitórias, funda Clóvis
a monarquia dos francos. Os bretões, oprimidos pela invasão e privados do
auxílio dos exércitos romanos, apelam para os saxônios que povoavam o sul da
Jutlândia, organizando-se posteriormente a Heptarquia Anglo-Saxônia. O que Roma
deveria fazer com a educação e o amparo perseverantes, aqueles povos rudes e
fortes vinham reclamar por si mesmos. A grande cidade dos Césares poderia ter
evitado a catástrofe do desmembramento, se levasse a sua cultura a todos os
corações, em vez de haver estacionado tantos séculos à mesa farta dos prazeres
e das continuadas libações.
RAZÕES DA IDADE MÉDIA
A queda do Império Romano determinara no mundo
extraordinárias modificações. Muitas almas heróicas e valorosas, que se haviam
purificado nas lutas depuradoras, não obstante o ambiente pantanoso dos vícios
e das paixões desenfreadas, ascenderam definitivamente a planos espirituais
mais elevados, apenas voltando às atmosferas do planeta para o cumprimento de
enobrecedoras e santificantes missões. A desorganização geral com os movimentos
revolucionários dos outros povos do globo terrestre, que embalde esperam o
socorro moral do governo dos imperadores, originara um 145 A CAMINHO DA LUZ
longo estacionamento nos processos evolutivos. É ai, nessa época de transições
que agora atinge as suas culminâncias, que vamos encontrar as razões da Idade
Média, ou o período escuro da história da Humanidade. Só esse ascendente
místico da civilização pôde explicar o porque das organizações feudais, depois
de tão grandes conquistas da mentalidade humana, nos grandes problemas da
unidade e da centralização política do mundo. É que um novo ciclo de
civilização começava sob a amorosa proteção do Divino Mestre, e as últimas
expressões espirituais do grande Império retiravam-se para o silêncio dos
santuários e dos retiros espirituais, para chorar na solidão dos conventos,
sobre o cadáver da grande civilização que não soubera prover ao seu glorioso
destino.
MESTRES DO AMOR E DA VIRTUDE
Almas sublimadas e corajosas reencarnam, então, sob a égide
de Jesus e para a grande tarefa de orientar as forças políticas da igreja
romana, agora organizada à maneira das construções efêmeras do mundo. O Papado
era a obra do orgulho e da iniquidade; mas o Cristo não desampara os mais
infelizes e os mais desgraçados, e foi assim que surgiram, no seio mesmo da
Igreja, alguns mestres do amor e da virtude, ensinando o caminho claro da
evolução aos povos invasores, trazendo-os ao pensamento cristão e destinando-os
aos tempos luminosos do porvir.
147
XVII
A idade medieval
OS MENSAGEIROS DE JESUS
Em todo o século VI, de conformidade com as deliberações
efetuadas no plano invisível, aparecem grandes vultos de sabedoria e bondade,
contrastando a vaidade orgulhosa dos bispos católicos, que em vez de herdarem
os tesouros de humildade e amor do Crucificado, reclamaram para si a vida
suntuosa, as honrarias e prerrogativas dos imperadores. Os chefes
eclesiásticos, guindados à mais alta preponderância política, não se lembravam
da pobreza e da simplicidade apostólicas, nem das palavras do Messias, que afirmara
não ser o seu reino ainda deste mundo. 148 EMMANUEL Todavia, nesse pantanal de
ambições floresciam, igualmente, os lírios da misericórdia de Jesus, em
sublimadas realizações de sacrifício e bondade. Espíritos heroicos e
missionários, cuja maioria não se incorporou aos nomes da galeria histórica
terrestre, exerceram a função de novos sacerdotes da ideia sagrada do
Cristianismo, conservando-lhe o fogo divino para as futuras gerações do
planeta. Subordinados, embora, à disciplina da Igreja romana, eles ouviam, no
ádito do coração, a palavra eterna e suave do Divino Jardineiro e sabiam, por
isso, que a sua missão era a da renúncia, do sacrifício e da humildade. Roma
podia negociar os títulos eclesiásticos com a política do mundo e estabelecer a
simonia nos templos sagrados, esquecendo os mais severos compromissos; eles,
porém, nas suas túnicas rotas, atravessariam o mundo alentando a palavra das
promessas evangélicas, edificariam pousos de silêncio e de misericórdia, onde
guardassem as tradições escritas da cultura sagrada, para os dias do porvir.
Desses exércitos de abnegados que se organizaram com Jesus e por Jesus, no seio
da Igreja, somos levados a destacar os missionários beneditinos, cujo esforço
amoroso e paciente conduziu grande número de coletividades dos povos
considerados bárbaros, principalmente os germanos, para o seio generoso das ideias
do Cristianismo.
O IMPÉRIO BIZANTINO
Depois da morte do imperador Teodósio, eis que o mundo
conhecido se reparte em dois 149 A CAMINHO DA LUZ impérios - o do Ocidente e o
do Oriente - divididos entre os seus dois filhos, Honório e Arcádio. Com o
assalto dos hérulos, em 476 desaparece o império ocidental e com ele, para
sempre, os resquícios da integridade do Império Romano, instalando-se depois,
em 493, o reino ostrogodo na Itália, tendo Ravena por capital. Constantinopla é
então a sucessora legítima da grande cidade imperial. O império bizantino era o
depositário da legislação e dos costumes romanos. Um poderoso sopro de
latinidade vitaliza as suas instituições. Debalde, porém, as expressões romanas
buscam um refúgio nas outras terras, com o objetivo de uma perpetuação. Homens
enérgicos, como Justiniano, não conseguem salvá-las. Forças ocultas e poderosas
estavam incumbidas de sua visceral renovação, e, não obstante sua resistência
milenar, o império bizantino, herdeiro dos Césares, ia cair exânime, em 1453,
ao assalto de Maomet II.
O ISLAMISMO
Antes da fundação do Papado, em 607, as forças espirituais se
viram compelidas a um grande esforço no combate contra as sombras que ameaçavam
todas as consciências. Muitos emissários do Alto tomam corpo entre as falanges
católicas no intuito de regenerar os costumes da Igreja. Embalde, porém, tentam
operar o retorno de Roma aos braços do Cristo, conseguindo apenas desenvolver o
máximo de seus esforços no penoso trabalho de arquivar experiências para as
gerações vindouras. 150 EMMANUEL Numerosos Espíritos reencarnam com as mais
altas delegações do plano invisível. Entre esses missionários, veio aquele que
se chamou Maomet, ao nascer em Meca no ano 570. Filho da tribo dos Coraixitas,
sua missão era reunir todas as tribos árabes sob a luz dos ensinos cristãos, de
modo a organizar-se na Ásia um movimento forte de restauração do Evangelho do
Cristo, em oposição aos abusos romanos, nos ambientes da Europa. Maomet,
contudo, pobre e humilde no começo de sua vida, que deveria ser de sacrifício e
exemplificação, torna-se rico após o casamento com Khadidja e não resiste ao
assédio dos Espíritos da Sombra, traindo nobres obrigações espirituais com as
suas fraquezas. Dotado de grandes faculdades mediúnicas inerentes ao desempenho
dos seus compromissos, muitas vezes foi aconselhado por seus mentores do Alto,
nos grandes lances da sua existência, mas não conseguiu triunfar das
inferioridades humanas. É por essa razão que o missionário do Islã deixa
entrever, nos seus ensinos, flagrantes contradições. A par do perfume cristão
que se evola de muitas das suas lições, há um espírito belicoso, de violência e
de imposição; junto da doutrina fatalista encerrada no Alcorão, existe a
doutrina da responsabilidade individual, divisando-se através de tudo isso uma
imaginação superexcitada pelas forças do bem e do mal, num cérebro transviado
do seu verdadeiro caminho. Por essa razão o Islamismo, que poderia representar
um grande movimento de restauração do ensino de Jesus, corrigindo os desvios do
Papado nascente, assinalou mais uma vitória das 151 A CAMINHO DA LUZ Trevas
contra a Luz e cujas raízes era necessário extirpar.
AS GUERRAS DO ISLÃ
Maomet, nas recordações do dever que o trazia à Terra,
lembrando os trabalhos que lhe competiam na Ásia, a fim de regenerar a Igreja
para Jesus, vulgarizou a palavra "infiel", entre as várias famílias
do seu povo, designando assim os árabes que lhe, eram insubmissos, quando a
expressão se aplicava, perfeitamente, aos sacerdotes transviados do
Cristianismo. Com o seu regresso ao plano espiritual, toda a Arábia estava
submetida à sua doutrina, pela força da espada; e todavia os seus continuadores
não se deram por satisfeitos com semelhantes conquistas. Iniciaram no exterior
as guerras santas", subjugando toda a África setentrional, no fim do
século VII. Nos primeiros anos do século imediato, atravessaram o estreito de
Gibraltar, estabelecendo-se na Espanha, em vista da escassa resistência dos
visigodos atormentados pela separação, e somente não seguiram caminho além dos
Pirineus porque o plano espiritual assinalara um limite às suas operações,
encaminhando Carlos Martel para as vitórias de 732.
CARLOS MAGNO
É depois dessa época que Jesus permite a reencarnação de um
dos mais nobres imperadores romanos, ansioso de auxiliar o espírito europeu na
sua amargurada decadência. Essa entidade renasceu, então, sob o nome de Carlos
152 EMMANUEL Magno, o verdadeiro reorganizador dos elementos dispersos para a
fundação do mundo ocidental. Quase analfabeto, criou as mais vastas tradições
de energia e de bondade, com a superioridade que lhe caracterizava o espírito
equilibrado e altamente evolvido. Num reinado de 46 anos consecutivos, Carlos Magno
intensificou a cultura, corrigiu defeitos administrativos que imperavam entre
os povos desorganizados da Europa, deixando as mais belas perspectivas para a
latinidade Sabe Jesus quanto de lágrimas lhe custou o cumprimento de uma tarefa
dessa natureza, cujo desempenho exigia as mais altas qualidades de cérebro e
coração. Mas, antecipando as doces comoções que o aguardavam no plano
espiritual, numerosos amigos invisíveis, que com ele haviam caminhado na Roma
do direito e do dever, cercam-lhe a personalidade na noite do Natal do ano 800,
quando o seu pensamento em prece se elevava a Jesus, na basílica de São Pedro.
Uma onda de vibrações harmoniosas invade o ambiente suntuoso, pouco propicio às
demonstrações da verdadeira espiritualidade. Leão III, o papa reinante,
sente-se tocado de incompreensível arrebatamento espiritual, e, aproximando-se
do grande batalhador do bem, cinge-lhe a fronte com uma coroa de ouro, enquanto
a multidão designa-o, em vozes comovidas e entusiásticas, como "imperador
dos romanos". Carlos Magno sente que aquela cidade era também dele.
Parece-lhe voltar ao passado longínquo, contemplando a Roma do pretérito, cheia
de dignidade e de virtude. Seu coração derrama lágrimas, como Jeremias sobre a
Je- 153 A CAMINHO DA LUZ rusalém das suas dores, agradecendo a Jesus os favores
divinos. Decorridos alguns anos sobre esse acontecimento, o grande imperador
busca de novo as claridades do Além, para reconhecer que o seu esforço caía
sobre as almas qual uma bênção, mas o império por ele organizado teria escassa
duração.
O FEUDALISMO
Depois das nobres conquistas atenienses em matéria de
política administrativa, depois das grandes jornadas do direito romano à face
do mundo, custa-se a entender o porque do feudalismo, que se estendeu pela
Europa, desde o século VIII até o século XII, figurando-se ao estudioso da
História um como retrocesso de toda a civilização. Toda a unidade política
desaparece nesses tempos de luzidas lembranças para a Humanidade. A propriedade
individual jamais alcançou tamanha importância e nunca a servidão moral ganhou
tão forte impulso. Com semelhante regime, as lutas fratricidas tiveram campo
largo no território europeu, disputando-se uma hegemonia que jamais chegava na
equação dos movimentos bélicos. Somente as poucas qualidades cristãs da Igreja
Católica conseguiram atenuar o caráter nefasto dessa situação, instituindo-se
as chamadas "tréguas de Deus", obrigando os guerreiros ao repouso em
determinados dias da semana, com o objetivo de comemorar as passagens da vida
de Jesus-Cristo e defendendo-se a paz com a periódica cessação das
hostilidades. 154 EMMANUEL
RAZÕES DO FEUDALISMO
Esse regime, todavia, é facilmente explicável. A missão de
Carlos Magno houvera sido organizada pelo plano invisível como uma das mais
vastas tentativas de reorganização do império do Ocidente, mas, observando-se a
inutilidade do tentame, em virtude do endurecimento da maioria dos corações, as
autoridades espirituais, sob a égide do Cristo, renovaram os processos
educativos do mundo europeu, então no início da civilização atual, chamando
todos os homens para a vida do campo, a fim de aprenderem melhor, no trato da
terra e no contacto da Natureza. Só o feudalismo podia realizar essa obra, e as
suas normas, embora grosseiras, foram aproveitadas na escola penosa das
aquisições espirituais, onde a reflexão e a sensibilidade iam surgir para a
construção do edifício milenar da civilização do Ocidente.
155
XVIII
Os abusos do poder religioso
FASES DA IGREJA CATÓLICA
Apesar dos numerosos desvios da Igreja romana, que esquecera
os princípios cristãos tão logo que chamada aos gabinetes da política do mundo,
nunca o Catolicismo foi de todo abandonado pelas potências do bem, no mundo
espiritual. Advertências inúmeras lhe foram enviadas em todos os tempos da sua
vida histórica, pela misericórdia do Cristo, condoído da impiedade de quantos,
sob o seu nome, manchavam o altar dos templos. Enquanto esteve subordinada aos
imperadores de Constantinopla, a instituição católica 156 EMMANUEL trabalhou
para libertar-se de semelhante tutela, procurando a mais ampla independência
espiritual, somente conseguida depois do papa Estêvão II, em 756, com a
organização do chamado Patrimônio de São Pedro. A esse tempo, os vários
soberanos da época dispunham da Igreja de acordo com os seus caprichos
pessoais, conferindo dignidades eclesiásticas às consciências mais apodrecidas.
A sede do Catolicismo se transformara em vasto mercado de títulos
nobiliárquicos de toda a espécie. Até depois do século X, semelhante situação
de descalabro moral marchava para a frente, num crescendo espantoso. Os
Apóstolos do Divino Mestre, nas claridades do Infinito, deploram semelhantes
espetáculos de indigência espiritual e promovem a reencarnação de numerosos
auxiliares da tarefa remissora, nas hostes da regra de São Bento. Estes
missionários da verdade e do bem operam a restauração do mosteiro de Cluny, de
onde sairiam pensamentos novos e energias regeneradoras.
GREGÓRIO VII
Foi nesse movimento de restauração que Hildebrando, conhecido
como Gregório VII, ouvindo as inspirações que lhe desciam ao coração, do plano
invisível, preparou-se para a missão que o esperava no Vaticano. Sua figura é
das mais importantes do século XI, pela fé e pela sinceridade que lhe caracterizaram
as atitudes. Eleito papa, após a desencarnação de Alexandre II, reconheceu que
as primeiras providências que lhe competiam eram as do combate ao simonismo no
seio da instituição católica e as 157 A CAMINHO DA LUZ do restabelecimento da
autoridade da Igreja, que ele desejou sinceramente reconduzir ao seio do
Cristianismo, embora as lutas sustentadas contra Henrique IV façam parecer o
contrário. Convocando um concílio em Roma, no ano de 1074, procurou reprimir a
enormidade de tantos abusos referentes ao mercado dos sacramentos e às honras
eclesiásticas. Filipe I e Henrique IV prometem amparo e auxílio às decisões do
pontífice, no sentido de regenerar a organização da Igreja. Henrique IV, porém,
prestigiado pelos bispos culpados de simonia, fugiu ao cumprimento da promessa
e, depois de exortado por Gregório VII, tenta depô-lo, reunindo em Worms um
sínodo de sacerdotes transviados. O papa excomunga o príncipe rebelado,
ocorrendo então os célebres acontecimentos de Canossa. A luta ainda não havia
terminado, quando Gregório VII se desprende do mundo em 1085, deixando, porém,
o caminho preparado para a Concordata de Worms, que se realizaria em 1122 com
Henrique V, com a independência da Igreja e a regeneração aproximada de sua
disciplina.
AS ADVERTÊNCIAS DE JESUS
Instalada nas suas imensas riquezas e dispondo de todo o
poder e autoridade, a Igreja poucas vezes compreendeu a tarefa de amor, que
competia à sua missão educativa. Habituada a mandar sem restrições, muitas
vezes recebeu as advertências de Jesus à conta de heresias condenáveis, que era
preciso combater e profligar. 158 EMMANUEL As exortações do Alto não se faziam
sentir tão-somente no seio das ordens religiosas, onde penitentes humildes
proporcionavam aos seus orgulhosos superiores eclesiásticos as mais santas
lições da piedade cristã. Também na sociedade civil as sementes de luz deixavam
entrever os mais esperançosos rebentos de compreensão e de sabedoria, acerca do
Evangelho e dos exemplos do Cristo. Neste caso está Pedro de Vaux, que, embora
sendo um homem de negócios, em Lião, desligou-se de todos os laços que o
prendiam às riquezas humanas, despojando-se de todos os bens em favor dos
pobres e necessitados, comovido com a leitura da exemplificação de Jesus no seu
Evangelho de amor e redenção. Esse homem extraordinário, a quem fora cometida a
missão de instrumento da vontade do Senhor, mandou traduzir os livros sagrados
para leitura pública e, junto de outros companheiros que passaram à História
com o nome de valdenses, iniciou amplo movimento de pregações evangélicas, à
maneira dos tempos apostólicos. Os "Pobres de Lião" foram
excomungados, primeiramente pelo arcebispo da cidade e mais tarde, em 1185,
pelo pontífice do Vaticano. A Igreja não poderia tolerar outra doutrina que não
a sua, feita de orgulho e mal disfarçada ambição. Qualquer lembrança verdadeira
e sincera, do seu divino Fundador, era tomada como heresia abominável e
suscetível das mais severas punições. A verdade, porém, é que, se os valdenses
foram caluniados pelas forças católicas, suas pregações e apelos nunca mais
desapareceram do mundo desde o século XI, porque, com vários nomes, as suas
organi- 159 A CAMINHO DA LUZ zações subsistiram na Europa até à Reforma, não
obstante os guantes de ferro da Inquisição.
FRANCISCO DE ASSIS
Os apelos do Alto continuaram a solicitar a atenção da Igreja
romana em todas as direções. As chamadas "heresias" brotavam por toda
parte onde houvesse consciências livres e corações sinceros, mas as autoridades
do Catolicismo nunca se mostraram dispostas a receber semelhantes exortações.
Havia terminado, em 1229, a guerra contra os hereges, cujos embates
atravessaram o espaço de vinte anos, quando alguns chefes da Igreja
consideraram a oportunidade da fundação do tribunal da penitência, cujos
projetos de há muito preocupavam o pensamento do Vaticano. Mascarar-se-ia o
cometimento com o pretexto da necessidade de unificação religiosa, mas a
realidade é que a instituição desejava dilatar o seu vasto domínio sobre as
consciências. Todavia, se a Inquisição preocupou longamente as autoridades da
Igreja, antes da sua fundação, o negro projeto preocupava igualmente o Espaço,
onde se aprestaram providências e medidas de renovação educativa. Por isso, um
dos maiores apóstolos de Jesus desceu à carne com o nome de Francisco de Assis.
Seu grande e luminoso espírito resplandeceu próximo de Roma, nas regiões da
Úmbria desolada. Sua atividade reformista verificou-se sem os atritos próprios
da palavra, porque o seu 160 EMMANUEL sacerdócio foi o exemplo na pobreza e na
mais absoluta humildade. A Igreja, todavia, não entendeu que a lição lhe dizia
respeito e, ainda uma vez, não aceitou as dádivas de Jesus.
OS FRANCISCANOS
O esforço poderoso do missionário, todavia, se não conseguiu
mudar a corrente de ambições dos papas romanos, deixou traços fulgurantes da
sua passagem pelo planeta. Seu exemplo de simplicidade e de amor, de singeleza
e de fé, contagiou numerosas criaturas, que se entregaram ao santo mister de
regenerar almas para Jesus. A ordem dos Franciscanos chegou a congregar mais de
duzentos mil missionários e seguidores do grande inspirado. Eles repeliam
qualquer auxílio pecuniário, para aceitar tão-somente os alimentos mais pobres
e mais grosseiros, e o característico que mais os destacava das outras
comunidades religiosas era o seu alheamento dos mosteiros. Em vez de repousarem
à sombra dos claustros, na tranquilidade e na meditação, esses espíritos
abnegados reconheciam que a melhor oração, para Deus, é a do trabalho
construtivo, no aperfeiçoamento do mundo e dos corações.
A INQUISIÇÃO
Muito pouco valeram as lições do bem, diante do mal
triunfante, porque em 1231 o Tribunal da Inquisição estava consolidado com
Gregório IX. Esse instituto, ironicamente, nesse tempo não condenava os
supostos culpados 161 A CAMINHO DA LUZ diretamente à morte – pena benéfica e
consoladora em face dos martírios infligidos aos que lhe caíssem nos calabouços
-, mas podia aplicar todos os suplícios imagináveis. A repressão das
"heresias" foi o pretexto de sua consolidação na Europa, tornando-se
o flagelo e a desdita do mundo inteiro. Longo período de sombras invadiu os
departamentos da atividade humana. A penumbra dos templos era teatro de cenas
amargas e sacrílegas. Crimes tenebrosos foram perpetrados ao pé dos altares, em
nome dAquele que é amor, perdão e misericórdia. A instituição sinistra da
Igreja ia cobrir a estrada evolutiva do homem com um sudário de trevas
espessas.
A OBRA DO PAPADO
Há quem tente justificar esses longos séculos de sombra pelos
hábitos e concepções daquele tempo. Mas, a verdade é que o progresso das
criaturas poderia dispensar esse mecanismo de crimes monstruosos. Por isso, nos
débitos romanos pesam essas responsabilidades tão tremendas quão dolorosas. A
Inquisição foi obra direta do papado, e cada personalidade, como cada instituição,
tem o seu processo de contas na Justiça Divina. Eis por que não podemos
justificar a existência desse tribunal espantoso, cuja ação criminosa e
perversa entravou a evolução da Humanidade por mais de seis longos séculos.
163
XIX
As Cruzadas e o fim da Idade Média
AS PRIMEIRAS CRUZADAS
Reportando-nos ao século XI, as Cruzadas nos merecem especial
referência, dados os seus movimentos, característicos da época. Desde
Constantino que os lugares santos da Palestina haviam adquirido considerável
importância para a Europa ocidental. Milhares de peregrinos visitavam
anualmente a paisagem triste de Jerusalém, identificando os caminhos da Paixão
de Jesus, ou os traços da vida dos Apóstolos. Enquanto dominavam na região os
árabes de Bagdá ou do Egito, as correntes do 164 EMMANUEL turismo católico
podiam buscar, sem receio, as paragens sagradas; mas a Jerusalém do século XI
havia caído sob o poder dos turcos, que não mais toleraram a presença dos
cristãos, expulsando-os dali com a máxima crueldade. Semelhantes medidas
provocam os protestos de todo o mundo católico do Ocidente e, no fim do
referido século, preparam-se as primeiras cruzadas em busca da vitória contra o
infiel. A primeira expedição que saiu dos centros mais civilizados, sob o
comando de Pedro, o Eremita, não chegou a ausentar-se da Europa, dispersada que
foi pelos búlgaros e húngaros. Todavia, em 1096, Godofredo de Bouillon com seus
irmãos e Tancredo de Siracusa e outros chefes, depois de se reunirem em
Constantinopla, demandaram Nicéia, com um exército de 500.000 homens. Depois da
presa de Nicéia, apoderaram-se de Antioquia, penetrando em Jerusalém com a
palma do triunfo. Ali quiseram presentear Godofredo de Bouillon com a coroa de
rei, mas o duque da Baixa Lorena parecia rever o vulto luminoso do Senhor do
Mundo, cuja fronte fora aureolada com a coroa de espinhos, e considerou
sacrilégio o colocarem-lhe nas mãos um cetro de ouro, quando o Cristo tivera,
tão-somente, nas mãos augustas e compassivas, uma cana ignominiosa. Depois de
muita relutância, aceitou apenas o título de "defensor do Santo
Sepulcro", organizando-se logo em seguida as ordens religiosas de caráter
exclusivamente militar, como a dos Templários e a dos Hospitalários. Os turcos,
porém, não descansaram. Depois de muitas lutas, apossaram-se de Edessa,
obrigando o papa Eugênio III a providenciar 165 A CAMINHO DA LUZ a segunda
Cruzada, que, chefiada por Luís VII da França e Conrado III da Alemanha, teve
os mais desastrosos efeitos.
FIM DAS CRUZADAS
Em fins do século XII Jerusalém cai em poder de Saladino. Os
príncipes cristãos do Ocidente preparam-se para a terceira Cruzada,
assinalando-se as vitórias de S. João d'Acre. As lutas no Oriente sucederam-se
anos a fio como furacões periódicos e devastadores. A Palestina possuía, até
então, os seus recantos maravilhosos de verdura abundante. A Galiléia era um
vasto jardim, cheio de perfume e de flores. Mas tantos foram os embates dos
exércitos inimigos, tantas as lutas de extermínio e de ambição, que a própria
Natureza pareceu maldizer para sempre os lugares que mereciam o amor e o
carinho dos homens. As últimas Cruzadas foram dirigidas por Luís IX, o rei
santo de França que, depois da tomada de Damieta, caiu em poder dos inimigos,
pagando fabuloso resgate e vindo a desprender-se da vida terrestre em 1270,
defronte de Túnis, vitimado pela peste. Os mensageiros de Jesus, que de todos
os acontecimentos sabem extrair os fatores da evolução humana para o bem,
buscam aproveitar a utilidade desses acontecimentos dolorosos. Foi por essa
razão que as Cruzadas, não obstante o seu caráter anticristão, fizeram-se
acompanhar de alguns benefícios de ordem econômica e social para todos os
povos. Na Europa a sua influência foi regeneradora, enfraque- 166 EMMANUEL
cendo a tirania dos senhores feudais e renovando a solução dos problemas da
propriedade, conjurando muitas lutas isoladas. Além disso, os seus movimentos
intensificaram, sobremaneira, as relações do Ocidente com o Oriente, apenas
paralisadas mais tarde, em vista da ferocidade dos turcos e dos invasores
mongóis.
O ESFORÇO DOS EMISSÁRIOS DO CRISTO
No Infinito, reúnem-se os emissários do Divino Mestre, em
assembléias numerosas, sob a égide do seu pensamento misericordioso,
organizando novos trabalhos para a evolução geral de todos os povos do planeta.
Lamentam a inabilidade de muitos missionários do bem e do amor, que, partindo
dos Espaços, saturados dos melhores e mais santos propósitos, experimentam no
orbe a traição das próprias forças, influenciados pela imperfeição rude do meio
a que foram conduzidos. Muitos deles se deixavam deslumbrar pelas riquezas
efêmeras, mergulhando no oceano das vaidades dominadoras, estacionando nos
caminhos evolutivos, e outros, como Luís IX, de França, excediam-se no poder e
na autoridade, cometendo atos de quase selvajaria, cumprindo os seus sagrados
deveres espirituais com poucos benefícios e amplos prejuízos gerais para as
criaturas. Mas, compelidas pelas leis do amor que regem o Universo, essas
entidades compassivas jamais negaram do Alto o seu desvelado concurso a favor
do progresso dos povos, procurando aperfeiçoar as almas e guiando os
missionários do Cristo através dos mais espinhosos caminhos. 167 A CAMINHO DA
LUZ
POBREZA INTELECTUAL
No século XIII estava definitivamente instalado o governo
real, desaparecendo as mais fortes expressões do feudalismo. Cada região
européia tratava de concatenar todos os elementos precisos à organização de sua
unidade política, mas a verdade é que os meios escassos de instrução não
permitiam uma existência intelectual mais avançada. Os Estados que se
levantavam, organizavam as suas construções à sombra da Igreja, que tinha
interesse em não dilatar os domínios da educação individual, receosa de
interpretações que não fossem propriamente dela. Os pergaminhos custavam
verdadeiras fortunas e o livro era dificilmente encontrado. Até o século XII as
escolas estavam circunscritas ao ambiente dos mosteiros, onde muitos padres se
ocupavam de avivar a letra dos manuscritos mais antigos, produzindo outros para
a posteridade. A Ciência, cuja linha ascensional guarda o seu ponto de
princípio na curiosidade ou na dúvida, bem como a Filosofia, que se constitui
das mais altas indagações espirituais, estavam totalmente escravizadas à
Teologia, então senhora absoluta de todas as atividades do homem, com poderes de
vida e morte sobre as criaturas, considerando-se os direitos absurdos do
Tribunal da Inquisição, depois do século XIII, quando, sob a inspiração do
Alto, já se haviam fundado universidades importantes como as de Paris e de
Bolonha, que serviram de modelo às de Oxford, Coimbra e Salamanca. 168 EMMANUEL
RENASCIMENTO
A esse tempo opera-se um verdadeiro renascimento na vida
intelectual dos povos mais evolvidos do mundo europeu. A universidade se
constituía de quatro faculdades - Teologia, Medicina, Direito e Artes -
reunindo milhares de inteligências ávidas de ensino, que seriam os grandes
elementos de preparação do porvir. Rogério Bacon, franciscano inglês, notável
por seus estudos e iniciativas, é um dos pontos culminantes dessa renascença
espiritual. A Igreja, contudo, proibindo o exame e a livre opinião, prejudicou
esse surto evolutivo, máxime no capítulo da Medicina, que, desprezando a
observação atenta de todos os fatos, se entregou à magia, com sérios prejuízos
para as coletividades. Favorecida pela necessidade dos panoramas imponentes do
culto externo da religião e pela fortuna particular, a Arquitetura foi a mais
cultivada de todas as artes, em vista das grandes e numerosas construções então
em voga. Com a influência indireta dos Guias espirituais dos vários
agrupamentos de povos, consolidam-se as expressões lingüísticas de cada país,
formando-se as grandes tradições literárias de cada região.
TRANSMIGRAÇÃO DE POVOS
É então que inúmeros mensageiros de Jesus, sob a sua
orientação, iniciam largo trabalho de associação dos Espíritos, de acordo com
as tendências e afinidades, a fim de formarem as nações do futuro, com a sua
perso- 169 A CAMINHO DA LUZ nalidade coletiva. A cada uma dessas nacionalidades
seria cometida determinada missão no concerto dos povos futuros, segundo as
determinações sábias do Cristo, erguendo-se as bases de um mundo novo, depois
de tantos e tão continuados desastres da fraqueza humana. Constroem-se os
alicerces dos grandes países como a Inglaterra, que, em 1258, organiza os
Estatutos de Oxford, limitando os poderes de Henrique III, e em 1265 erige a
Câmara dos Comuns, onde a burguesia e as classes menos favorecidas têm a
palavra com a Câmara dos Lordes A Itália prepara-se para a sua missão de
latinidade. A Alemanha se organiza. A Península Ibérica é imensa oficina de
trabalho e a França ensaia os passos definitivos para a sabedoria e para a
beleza. A atuação do mundo espiritual proporciona à história humana a perfeita
caracterização da alma coletiva dos povos. Como os indivíduos, as coletividades
também voltam ao mundo pelo caminho da reencarnação. É assim que vamos
encontrar antigos fenícios na Espanha e em Portugal, entregando-se de novo às
suas predileções pelo mar. Na antiga Lutécia, que se transformou na famosa
Paris do Ocidente, vamos achar a alma ateniense nas suas elevadas indagações
filosóficas e científicas, abrindo caminhos claros ao direito dos homens e dos
povos. Andemos mais um pouco e acharemos na Prússia o espírito belicoso de
Esparta, cuja educação defeituosa e transviada construiu o espírito detestável
do pangermanismo na Alemanha da atualidade. Atravessemos a Mancha e
deparar-se-nos-á na Grã-Bretanha a edilidade romana, com a sua educação e a sua
prudência, 170 EMMANUEL retomando de novo as rédeas perdidas do Império Romano,
para beneficiar as almas que aguardaram, por tantos séculos, a sua proteção e o
seu auxílio.
FIM DA IDADE MEDIEVAL
Do plano invisível e em todos os tempos, os Espíritos
abnegados acompanharam a Humanidade em seus dias de martírio e glorificação,
lutando sempre pela paz e pelo bem de todas as criaturas. Referindo-nos, de
escantilhão, à nobre figura de Joana d'Arc, que cumpriu elevada missão adstrita
aos princípios de justiça e de fraternidade na Terra, e às guerras dolorosas
que assinalaram o fim da idade medieval, registramos aqui, que, com as
conquistas tenebrosas de Gêngis Khan e de Tamerlão e com a queda de
Constantinopla, em 1453, que ficou para sempre em poder dos turcos,
verificava-se o término da época medieval. Uma nova era despontava para a
Humanidade terrestre, com a assistência contínua do Cristo, cujos olhos
misericordiosos acompanham a evolução dos homens, lá dos arcanos do Infinito.
171
XX
Renascença do mundo
MOVIMENTOS REGENERADORES
Nos albores do século XV, quando a idade medieval estava
prestes a extinguir-se, grandes assembléias espirituais se reúnem nas
proximidades do planeta, orientando os movimentos renovadores que, em virtude
das determinações do Cristo, deveriam encaminhar o mundo para uma nova era.
Todo esse esforço de regeneração efetuava-se sob o seu olhar misericordioso e
compassivo, derramando sua luz em todos os corações. Mensageiros devotados
reencarnam no orbe, para desempenho de missões carinhosas e re- 172 EMMANUEL
dentoras. Na Península Ibérica, sob a orientação da personalidade de Henrique
de Sagres, incumbido de grandes e proveitosas realizações, fundam-se escolas de
navegadores que se fazem ao grande oceano, em busca de terras desconhecidas.
Numerosos precursores da Reforma surgem por toda a parte, combatendo os abusos
de natureza religiosa. Antigos mestres de Atenas reencarnaram na Itália,
espalhando nos departamentos da pintura e da escultura as mais belas jóias do
gênio e do sentimento. A Inglaterra e a França preparam-se para a grande missão
democrática que o Cristo lhes conferira. O comércio se desloca das águas
estreitas do Mediterrâneo para as grandes correntes do Atlântico, procurando as
estradas esquecidas para o Oriente. Jesus dirige essa renascença de todas as
atividades humanas, definindo a posição dos vários países europeus, e
investindo cada qual com determinada responsabilidade na estrutura da evolução
coletiva do planeta. Para facilitar a obra extraordinária dessa imensa tarefa
de renovação, os auxiliares do Divino Mestre conseguem ambientar na Europa
antigas invenções e utilidades do Oriente, como a bússola para as experiências
marítimas e o papel para a divulgação do pensamento.
MISSÃO DA AMÉRICA
O Cristo localiza, então, na América as suas fecundas
esperanças. O século XVI alvorece com a descoberta do novo continente, sem que
os europeus, de modo geral, compreendessem, na época, a importância de
semelhante acontecimento. As riquezas fabulosas da Índia 173 A CAMINHO DA LUZ
deslumbram o espírito aventureiro daquele tempo, e as testas coroadas do Velho
Mundo não entenderam a significação moral do continente americano. Os operários
de Jesus, porém, abstraídos da crítica ou do aplauso do mundo, cumprem os seus
grandes deveres no âmbito das novas terras. Sob a determinação superior,
organizam as linhas evolutivas das nacionalidades que aí teriam de florescer no
porvir. Nesse campo de lutas novas e regeneradoras, todos os espíritos de
boa-vontade poderiam trabalhar pelo advento da paz e da fraternidade do futuro
humano, e foi por isso que, laborando para os séculos porvindouros, definiram o
papel de cada região no continente, localizando o cérebro da nova civilização
no ponto onde hoje se alinham os Estados Unidos da América do Norte, e o seu
coração nas extensões da terra farta e acolhedora onde floresce o Brasil, na
América do Sul. Os primeiros guardam os poderes materiais; o segundo detém as
primícias dos poderes espirituais, destinadas à civilização planetária do
futuro.
O PLANO INVISÍVEL E A COLONIZAÇÃO DO NOVO MUNDO
Após a descoberta da América, grande esforço de seleção
espiritual foi levado a efeito no seio das lutas européias, no intuito de criar
no Novo Mundo um outro sentido de evolução. Se os colonizadores da região
americana, nos primeiros tempos, eram os degredados ou os proscritos das
sociedades européias, importa considerar que esses colonos não vinham tão- 174
EMMANUEL -somente das grandes capitais do antigo continente, na exclusiva
observância do plano material. Do mundo invisível, igualmente, partiram
caravanas inúmeras de almas de boa-vontade, que encarnaram nas terras novas,
como filhos daqueles degredados muitas vezes perseguidos pela iniquidade da
justiça dos homens. A esses Espíritos mais ou menos adiantados, aliaram-se
numerosas entidades da Europa, cansadas das lutas inglórias de hegemonia e de
ambição, buscando a redenção no esforço construtivo de uma nova pátria em bases
sólidas de fraternidade e amor, originando-se, desse modo, entre os povos
americanos, sentimentos mais elevados, quanto à compreensão da comunidade
continental. Se reconhecemos na América a projeção espiritual da Europa, temos
de convir que se trata de uma Europa mais sábia e mais experiente, não só
quanto aos problemas da concórdia internacional e da solidariedade humana, como
também em todas as questões que significam os verdadeiros bens da vida.
APOGEU DA RENASCENÇA
Essa renascença, iniciada do Alto, clareou a Terra em todas
as direções. A invenção da imprensa facultava o mais alto progresso no mundo
das idéias, criando as mais belas expressões de vida intelectual. A literatura
apresenta uma vida nova e as artes atingem culminâncias que a posteridade não
poderia alcançar. Numerosos artífices da Grécia antiga, reencarnados na Itália,
deixam traços indeléveis da sua passagem, nos mármo- 175 A CAMINHO DA LUZ res
preciosos. Há mesmo, em todos os departamentos das atividades artísticas, um
pronunciado sabor da vida grega, anterior às disciplinas austeras do
Catolicismo na idade medieval, cujas regras, aliás, atingiam rigorosamente
apenas quem não fosse parte integrante do quadro das autoridades eclesiásticas.
RENASCENÇA RELIGIOSA
A essas atividades reformadoras não poderia escapar a Igreja,
desviada do caminho cristão. O plano invisível determina, assim, a vinda ao
mundo de numerosos missionários com o objetivo de levar a efeito a renascença
da religião, de maneira a regenerar os seus relaxados centros de força. Assim,
no século XVI, aparecem as figuras veneráveis de Lutero, Calvino, Erasmo,
Melanchton e outros vultos notáveis da Reforma, na Europa Central e nos Países
Baixos. Por ocasião dos primeiros protestos contra o fausto desmedido dos
príncipes da Igreja, ocupava a cadeira pontifícia Leão X, cuja vida mundana
impressionava desagradavelmente os espíritos sinceramente religiosos. Sob a sua
direção criara-se, em 1518, o célebre "Livro das Taxas da Sagrada
Chancelaria e da Sagrada Penitenciaria Apostólica", onde se encontrava
estipulado o preço de absolvição para todos os pecados, para todos os
adultérios, inclusive os crimes mais hediondos. Tais rebaixamentos da dignidade
eclesiástica ambientaram as pregações de Lutero e seus companheiros de
apostolado. De nada valeram as perseguições 176 EMMANUEL e ameaças ao eminente
frade agostiniano. Alguns historiadores enxergaram na sua missão uma simples
expressão de despeito dos seus companheiros de comunidade, em face da preferência
de Leão X encarregando os Dominicanos da pregação das indulgências. A verdade,
contudo, é que o humilde filho de Eisleben tornara-se órgão da repulsa geral
aos abusos da Igreja, no capítulo da imposição dogmática e da extorsão
pecuniária. Os postulados de Lutero constituíram, antes de tudo, modalidade de
combate aos absurdos romanos, sem representarem o caminho ideal para as
verdades religiosas. Ao extremismo do abuso, respondia com o extremismo da
intolerância, prejudicando a sua própria doutrina. Mas o seu esforço se coroou
de notável importância para os caminhos do porvir.
A COMPANHIA DE JESUS
Uma onda de claridades novas felicitava todas as
consciências, mas os Espíritos tenebrosos e pervertidos, que mostraram ao
europeu outras aplicações da pólvora, além daquelas que os chineses haviam
enxergado na beleza dos fogos de artifício, inspiraram ao cérebro obcecado e
doentio de Inácio de Loiola a fundação do jesuitismo, em 1534, colimando
reprimir a liberdade das consciências. A Igreja, estendendo mão forte a essa
idéia, inaugurava um dos períodos mais tristes da história ocidental. O
Tribunal da Inquisição, com poderes de vida e morte nos países católicos, fez
milhares e milhares de vítimas, ensombrando o caminho dos povos. Espetáculos
177 A CAMINHO DA LUZ sangrentos e detestáveis verificaram-se em quase todas as
grandes cidades da Europa, os autos-de-fé acenderam horrendas fogueiras do
Santo-Ofício, por toda parte onde existissem cérebros que pensassem e corações
que sentissem. Instituiu-se a devassa de todos os institutos sociais e a
violação de todos os lares. Na Espanha, queimavam o infeliz na praça pública;
na França, tétrica noite causava pesadelos coletivos em matéria de fé; na
Irlanda, muitos "fiéis" faziam questão de levar ao altar de Jesus a
vela feita da gordura dos protestantes.
AÇÃO DO JESUITISMO
A Companhia de Jesus, de nefasta memória, não procurava
conhecer os meios, para cogitar tão-somente dos fins imorais a que se propunha.
Sua ação desdobrou-se por largos anos de treva, nos domínios da civilização
ocidental, contribuindo amplamente para o atraso moral em que se encontra o
"homem científico" dos tempos modernos. Suas hordas de predomínio, de
cupidez e de ambição não martirizaram apenas o mundo secular. Também os padres
sinceros sofreram largamente sob a sua preponderância nefasta. Tanto assim que,
quando o papa Clemente XIV tentou extingui-la, em 1773, com o seu breve
"Dominus ac Redemptor", exclamava desolado: - "Assino minha
sentença de morte, mas obedeço à minha consciência." Com efeito, em 178
EMMANUEL setembro de 1774, o grande pontífice entregava a alma a Deus, no meio
dos mais horrorosos padecimentos, vitimado por um veneno letal que lhe
apodreceu lentamente o corpo.
179
XXI
Época de transição
AS LUTAS DA REFORMA
Debalde a Dieta de Worms, em 1521, condenara Lutero como
herege, levando-o a refugiar-se em Wartburgo, porque as suas idéias libertárias
acenderam uma nova luz, propagando-se com a rapidez de um incêndio. A Igreja
começou a sofrer os golpes mais fortes e mais dolorosos, porque alguns
príncipes ambiciosos se aproveitaram do movimento das massas, confiscando-lhe
bens preciosos. Numerosos camponeses, empolgados pelos direitos do pensamento
livre, iniciaram grande campanha contra a Igreja usurpadora, exigindo 180
EMMANUEL reformas agrárias e sociais, em nome do Evangelho. De 1521 a 1555, os
centros cultos europeus viveram momentos de angustiosas expectativas nos
bastidores da tragédia religiosa, mas, depois da Concordata de Augsburgo,
instituiu-se um regime da mais larga tolerância recíproca. O direito do exame
livre, porém, dividiu a Reforma em vários departamentos religiosos, de acordo
com a orientação pessoal de seus pregadores, ou das conveniências políticas do
meio em que viviam. Na Alemanha era o Protestantismo, com os partidários dos
princípios de Martinho Lutero; na Suíça e na França era o Calvinismo e, na
Escócia, a Igreja Presbiteriana. Na Inglaterra, a questão veio a tornar-se mais
grave. Henrique VIII, defensor extremado da fé católica, a princípio, por
conveniência de caprichos pessoais tornou-se o chefe do poder político,
assumindo a direção da Igreja Anglicana. Na França, os huguenotes se
encontravam muito bem organizados, mas surgem as complicações de natureza
política, e o gênio despótico de Catarina de Médicis ordena a matança de São
Bartolomeu, no intuito de eliminar o almirante Coligny. O movimento sinistro,
que durou 48 horas, começou em 24 de agosto de 1572, sofrendo a
"Reforma" um dos seus mais amargos reveses. Somente em Paris e
subúrbios, foram eliminadas três mil pessoas. Os mensageiros do Cristo deploram
tão dolorosos acontecimentos, trabalhando por despertar a consciência geral,
arrancando-a daquela alucinação de morticínio e sangue, mas precisamos
considerar que cada homem, como cada coletividade, pode cumprir seus deveres ou
181 A CAMINHO DA LUZ agravar suas responsabilidades próprias, na esfera de sua
liberdade relativa.
A INVENCÍVEL ARMADA
As lutas na Europa, em todo o século XVI, longe de colimar um
fim, dilatavam-se em guerras tenebrosas, mergulhando os povos do Velho Mundo
num terrível círculo vicioso de reencarnações e resgates dolorosos. Como se não
bastassem as guerras religiosas, que trabalhavam o organismo europeu desde
muitos anos, surge a figura de um príncipe fanático e cruel, na poderosa Espanha
de então, complicando a existência política das coletividades européias. As
lutas de Filipe II, sucessor de Carlos V, prendiam-se, de algum modo, aos
problemas da Reforma protestante; mas, acima de tudo, colocava ele a sua
ambição e o seu despotismo. Animado com as vitórias sobre os turcos e os
muçulmanos, procurou reprimir a liberdade política dos Países Baixos,
encontrando a mais heróica resistência. Suas atividades maléficas, mascaradas
com a defesa do Catolicismo, espalhavam-se por toda a parte, obrigando o plano
espiritual a coibir-lhe os imensuráveis abusos do poder. Foi assim que, havendo
organizado a Invencível Armada, no ano de 1588, composta de mais de uma centena
de navios equipados com 2.000 canhões e 35.000 homens, a fim de atacar a
Inglaterra sem motivo que justificasse semelhante agressão, viu essa poderosa
esquadra destruída totalmente por uma tempestade aniquiladora. De conformidade
com as providências do plano invisível, 182 EMMANUEL apenas aportaram às costas
inglesas os espíritos pacíficos, compelidos pela força a participarem da armada
destruída, e que foram lá recebidos generosamente, encontrando uma nova pátria.
Se Henrique VIII havia errado como homem, o povo inglês estava preparado para o
cumprimento de uma grande missão, e ao mundo espiritual competia trabalhar pela
preservação dos seus patrimônios de liberdade política.
GUERRAS RELIGIOSAS
A Europa, não obstante o amparo e a assistência dos abnegados
mensageiros do Cristo, transportou-se ao século XVII no meio de lutas
espantosas, agora agravadas com as tenebrosas criações do Tribunal da
Penitência. Quase se pode afirmar que os únicos jesuítas dignos do nome de
sacerdotes de Jesus foram aqueles que vieram para as regiões desconhecidas da
América, no cumprimento dos mais nobres deveres de fraternidade humana, porque
a quase totalidade da Companhia, no Velho Mundo, mergulhou num oceano de tricas
políticas, muitas vezes rematadas em tragédias criminosas. As guerras de
natureza religiosa estavam longe de terminar, dada a rebeldia de todos os
elementos, e foi com penosos esforços que os emissários do Alto conduziram as
coletividades européias ao Tratado de Westphalia, em 1648, consolidando as
vitórias do protestantismo, em face das imposições injustificáveis do
jesuitismo. 183 A CAMINHO DA LUZ
A FRANÇA E A INGLATERRA
A esse tempo, a França já se encontrava preparada para o
cumprimento da sua grande missão junto dos povos, e, sob a influência do plano
invisível, criavam-se os serviços benéficos da diplomacia. Nos bastidores da
sua política administrativa, firmavam-se os princípios do absolutismo no trono,
mas a sua grande alma coletiva, cheia de sentimento e generosidade, já
vislumbrava o precioso esforço que lhe competia no porvir. Ao seu lado, a
Grã-Bretanha caminhava, a passos largos, para as mais nobres conquistas humanas.
Extinta, em 1603, a dinastia dos Túdores, eleva-se ao trono o rei da Escócia,
Jaime I. Desejando reviver os princípios absolutistas, o descendente dos
Stuarts inaugurou um período de nefastas perseguições, o qual foi intensificado
por seu filho Carlos I, cujas disposições políticas se constituíam das mais
avançadas tendências para a tirania. Rompendo com o Parlamento e dissolvendo-o,
vezes consecutivas, viu o povo da capital inglesa de armas na mão, em defesa
dos seus representantes, ensejando uma guerra civil que durou vários anos e só
terminada com a ação de Cromwell, que, de acordo com o Parlamento, estabelece a
República da qual se torna o "Lorde Protetor". Cromwell era um
espírito valoroso, mas, embriagado com o vinho sinistro do despotismo, foi também
um ditador vingativo, fanático e cruel. Depois da sua morte, em face da
incapacidade política do filho, verifica-se a restauração do trono com os
Stuarts. O governo destes teria, porém, pouca duração, porque os ingleses,
desgostosos com a adminis- 184 EMMANUEL tração de Jaime II, e no seu
tradicional amor à liberdade, chamam Guilherme de Orange ao poder. O Parlamento
redige a famosa declaração de direitos, definindo a emancipação do povo e
limitando os poderes reais, elevando-se ao trono Guilherme III com a revolução
de 1688. A Inglaterra havia cumprido um dos seus mais nobres deveres,
consolidando as fórmulas do parlamentarismo, porque assim todas as classes eram
chamadas à cooperação e fiscalização dos governos.
REFÚGIO DA AMÉRICA
Considerando o movimento das responsabilidades gerais e
isoladas, o plano invisível, sob a orientação de Jesus, conduzia para a América
todos os Espíritos sinceros e trabalhadores, que não necessitassem de
reencarnações ao mundo europeu, onde indivíduos e coletividades se prendiam,
cada vez mais, na cadeia das existências de provações expiatórias. Para o
hemisfério do Novo Mundo afluíam todas as entidades conclamadas à organização
do progresso futuro. Muitas dessas personalidades haviam adquirido o senso da
fraternidade e da paz, depois de. muitas lutas no antigo continente. Exaustas
de procurar a felicidade nos limites estreitos dos sentimentos exclusivistas,
sentiam no íntimo as generosas florações de reformas edificantes, compreendendo
a verdadeira solidariedade, na comunidade universal. Foi por essa razão que,
desde os seus primórdios, as organizações políticas do continente americano se
tornaram, baluartes de paz e de 185 A CAMINHO DA LUZ fraternidade para o orbe
inteiro. É que a permanência no seu solo e nas luzes ocultas do seu clima
social era considerada por todos os Espíritos como uma bênção de Deus, em face
das sucessivas inquietações européias.
OS ENCICLOPEDISTAS
O século XVIII iniciou-se entre lutas igualmente renovadoras,
mas elevados Espíritos da Filosofia e da Ciência, reencarnados particularmente
na França, iam combater os erros da sociedade e da política, fazendo soçobrar
os princípios do direito divino, em nome do qual se cometiam todas as
barbaridades. Vamos encontrar nessa plêiade de reformadores os vultos
veneráveis de Voltaire, Montesquieu, Rousseau, D'Alembert, Diderot, Quesnay.
Suas lições generosas repercutem na América do Norte, como em todo o mundo.
Entre cintilações do sentimento e do gênio, foram eles os instrumentos ativos
do mundo espiritual, para regeneração das coletividades terrestres.
Historiadores há que, numa característica mania de sensacionalismo, não se
pejam de vir a público asseverar que esses espíritos estudiosos e sábios se
encontravam a soldo de Catarina II da Rússia, e dos príncipes da Prússia,
contra a integridade da França; mas, semelhantes afirmativas representam
injúrias caluniosas que apenas afetam os que as proferem, porque foi dos
sacrifícios desses corações generosos que se fez a fagulha divina do pensamento
e da liberdade, substância de todas as conquistas sociais de que se orgulham os
povos modernos. 186 EMMANUEL
A INDEPENDÊNCIA AMERICANA
As idéias nobilitantes dos autores da Enciclopédia e das
novas teorias sociais haviam encontrado o mais franco acolhimento nas colônias
inglesas da América do Norte, organizadas e educadas no espírito de liberdade
da pátria do parlamentarismo. O mundo invisível aproveita, desse modo, a grande
oportunidade, deliberando executar nas terras novas os grandes princípios
democráticos pregados pelos filósofos e pensadores do século XVIII. E enquanto
a Inglaterra desrespeita, para com as suas colônias, o grande princípio por ela
própria firmado, de que ''ninguém deve pagar contribuições sem as ter
votado", os americanos resolvem proclamar a sua independência política.
Depois de alguns incidentes com a metrópole, celebram a sua emancipação em 4 de
julho de 1776, organizando-se, posteriormente, a Constituição de Filadélfia,
modelo dos códigos democráticos do porvir.
187
XXII
A Revolução Francesa
A FRANÇA NO SÉCULO XVIII
A independência americana acendera o mais vivo entusiasmo no
ânimo dos franceses, humilhados pelas mais prementes dificuldades, depois do
extravagante reinado de Luís XV. O luxo desenfreado e os abusos do clero e da
nobreza, em proporções espantosas, haviam ambientado todas as idéias livres e
nobres dos enciclopedistas e dos filósofos, no coração torturado do povo. A
situação das classes proletárias e dos lavradores caracterizava-se pela mais
hedionda miséria. Os impostos aniquilavam todos os centros de produção,
salientan- 188 EMMANUEL do-se que os nobres e os padres estavam isentos desses
deveres. Desde 1614, não mais se haviam reunido os Estados-Gerais,
fortalecendo-se, cada vez mais, o absolutismo monárquico. De nada valera o
esforço de Luís XVI convidando os espíritos mais práticos e eminentes para
colaborar na sua administração, como Turgot e Malesherbes. O bondoso monarca,
que tudo fazia para reerguer a realeza de sua queda lamentável, em virtude dos
excessos do seu antecessor no trono, mal sabia, na sua pouca experiência dos
homens e da vida, que uma era nova começava para o mundo político do Ocidente,
com transformações dolorosas que lhe exigiriam a própria vida. Reunidos em maio
de 1789 os Estados-Gerais, em Paris, explodiram os maiores desentendimentos
entre os seus membros, não obstante a boa vontade e a cooperação de Necker, em
nome do Rei. Transformada a reunião em Assembléia Constituinte, precedida de
numerosos incidentes, inicia-se a revolução instigada pela palavra de Mirabeau.
ÉPOCA DE SOMBRAS
Derrubada a Bastilha em 14 de julho de 1789 e após a célebre
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, uma série de reformas se
verifica em todos os departamentos da vida social e política da França. Aquelas
renovações, todavia, preludiavam os mais dolorosos acontecimentos. Famílias
numerosas aproveitavam a trégua, buscando o acolhimento de países vizinhos, e o
próprio 189 A CAMINHO DA LUZ Luís XVI tentou atravessar a fronteira, sendo
preso em Varenas e reconduzido a Paris. Um mundo de sombras invadia as
consciências da França generosa, chamada, naquela época, pelo plano espiritual,
ao cumprimento de sagrada missão junto à Humanidade sofredora. Cabia-lhe
tão-somente aproveitar as conquistas inglesas, no sentido de quebrar o cetro da
realeza absoluta, organizando um novo processo administrativo na renovação dos
organismos políticos do orbe, de acordo com as sábias lições dos seus filósofos
e pensadores. Todavia, se alguns Espíritos se encontravam preparados para a jornada
heróica daquele fim de século, muitas outras personalidades, infelizmente,
espreitavam na treva o momento psicológico para saciar a sede de sangue e de
poder. Foi assim que, depois de muitas figuras notáveis dos primórdios
revolucionários, surgiram espíritos tenebrosos, como Robespierre e Marat. A
volúpia da vitória generalizou uma forte embriaguez de morticínio no ânimo das
massas, conduzindo-as aos mais nefastos acontecimentos.
CONTRA OS EXCESSOS DA REVOLUÇÃO
A Revolução Francesa, desse modo, foi combatida imediatamente
pelas outras nacionalidades da Europa, que, sob a orientação de Pitt, Ministro
da Inglaterra, sustentaram contra ela, e por largos anos, uma luta de morte. A
Convenção Nacional, apesar das garantias que a Constituição de 1791 oferecia à
pessoa do Rei, decretou-lhe a morte na guilhotina, 190 EMMANUEL verificando-se
a execução aos 21 de janeiro de 1793, no local da atual Praça da Concórdia. Em
vão, tenta Luís XVI justificar sua inocência ao povo de Paris, antes que o
carrasco lhe decepasse a cabeça. As palavras mais sinceras afluem-lhe aos
lábios, suplicando a atenção dos súditos, numa onda de lágrimas e de
sentimentos que lhe burburinhavam no coração, não obstante a sua calma
aparente. Renovam-se as ordens aos guardas do cadafalso e rufam os tambores com
estrépito, abafando as suas afirmativas. A França atraía para si as mais
dolorosas provações coletivas nessa torrente de desatinos. Com a influência
inglesa, organiza-se a primeira coligação européia contra o nobre país. Mas,
não somente nos gabinetes administrativos da Europa se processavam providências
reparadoras. Também no mundo espiritual reúnem-se os gênios da latinidade, sob
a bênção de Jesus, implorando a sua proteção e misericórdia para a grande nação
transviada. Aquela que fora a corajosa e singela filha de Domrémy volta ao
ambiente da antiga pátria, à frente de grandes exércitos de Espíritos
consoladores, confortando as almas aflitas e aclarando novos caminhos.
Numerosas caravanas de seres flagelados, fora do cárcere material, são por ela
conduzidos às plagas da América, para as reencarnações regeneradoras, de paz e
de liberdade.
O PERÍODO DO TERROR
A lei das compensações é uma das maiores e mais vivas
realidades do Universo. Sob as 191 A CAMINHO DA LUZ suas disposições sábias e justas,
a cidade de Paris teria de ser, ainda por muito tempo, o teatro de trágicos
acontecimentos. Foi assim que se instalou o hediondo tribunal revolucionário e
a chamada junta de salvação pública, com os mais sinistros espetáculos do
patíbulo. A consciência da França viu-se envolvida em trevas espessas. A
tirania de Robespierre ordenou a matança de numerosos companheiros e de muitos
homens honestos e dignos. Erradamente, Carlota Corday entregou-se ao crime na
residência de Marat, com o propósito de restituir a liberdade ao povo de sua
terra e expiando o seu ato extremo com a própria vida. Ocasiões houve em que
subiram ao cadafalso mais de vinte pessoas por dia, mas Robespierre e seus
sequazes não tardaram muito a subir igualmente os degraus do patíbulo, em face
da reação das massas anônimas e sofredoras.
A CONSTITUIÇÃO
Depois de grandes lutas com o predomínio das sombras,
conseguem os gênios da França inspirar aos seus homens públicos a Constituição
de 1795. Os poderes legislativos ficavam entregues ao "Conselho dos
quinhentos" e ao "Conselho dos anciães", ficando o poder
executivo confiado a um Diretório composto de cinco membros. Estabelece-se
dessa forma uma trégua de paz, aproveitada na reconstrução de obras notáveis do
pensamento. Os centros militares lutavam contra os propósitos de invasão de
outras potências européias, cujos tronos se sentiam 192 EMMANUEL ameaçados na
sua estabilidade, em face do advento das novas idéias do liberalismo, e os
políticos se entregavam a uma vasta operosidade de edificação, vingando nesse
esforço as mais nobres realizações. Contudo, a França, depois dos seus
desvarios de liberdade, estava ameaçada de invasão e desmembramento. Povos
existem, porém, que se fazem credores da assistência do Alto, no cumprimento de
suas elevadas obrigações junto de outras coletividades do planeta. Assim, com
atribuições de missionário, foi Napoleão Bonaparte, filho de obscura família
corsa, chamado às culminâncias do poder.
NAPOLEÃO BONAPARTE
O humilde soldado corso, destinado a uma grande tarefa na
organização social do século XIX, não soube compreender as finalidades da sua
grandiosa missão. Bastaram as vitórias de Árcole e de Rívoli, com a paz de
Campoformio, em 1797, para que a vaidade e a ambição lhe ensombrassem o
pensamento. A expedição ao Egito, muito antes de Waterloo, assinalava para o
mundo espiritual a pouca eficácia do seu esforço, considerado o espírito de
orgulho e de imperialismo que predominou nas suas energias transformadoras.
Assediado pelo sonho de domínio absoluto, Napoleão foi uma espécie de Maomet
transviado, da França do liberalismo. Assim como o profeta do Islã pouco se
aproximara do Evangelho, que a sua ação deveria validar, também as atividades
de Napoleão pouco se aproxima- 193 A CAMINHO DA LUZ ram das idéias generosas
que haviam conduzido o povo francês à revolução. Sua história está igualmente
cheia de traços brilhantes e escuros, demonstrando que a sua personalidade de
general manteve-se oscilante entre as forças do mal e do bem. Com as suas
vitórias, garantia a integridade do solo francês, mas espalhava a miséria e a
ruína no seio de outros povos. No cumprimento da sua tarefa, organizava-se o
Código Civil, estabelecendo as mais belas fórmulas do direito, mas difundiam-se
a pilhagem e o insulto à sagrada emancipação de outros, com o movimento dos
seus exércitos na absorção e anexação de vários povos. Sua fronte de soldado
pode ficar laureada, para o mundo, de tradições gloriosas, e verdade é que ele
foi um missionário do Alto, embora traído em suas próprias forças; mas, no
Além, seu coração sentiu melhor a amplitude das suas obras, considerando
providencial a pouca piedade da Inglaterra que o exilou em Sta. Helena após o
seu pedido de amparo e proteção. Santa Helena representou para o seu espírito o
prólogo das mais dolorosas e mais tristes meditações, na vida do Infinito.
ALLAN KARDEC
A ação de Bonaparte, invadindo as searas alheias com o seu
movimento de transformação e conquistas, fugindo à finalidade de missionário da
reorganização do povo francês, compeliu o mundo espiritual a tomar enérgicas
providências contra o seu despotismo e vaidade orgulhosa. Aproximavam-se os
tempos em que 194 EMMANUEL Jesus deveria enviar ao mundo o Consolador, de
acordo com as suas auspiciosas promessas. Apelos ardentes são dirigidos ao
Divino Mestre, pelos gênios tutelares dos povos terrestres. Assembléias
numerosas se reúnem e confraternizam nos espaços, nas esferas mais próximas da
Terra. Um dos mais lúcidos discípulos do Cristo baixa ao planeta, compenetrado
de sua missão consoladora, e, dois meses antes de Napoleão Bonaparte sagrar-se
imperador, obrigando o papa Pio VII a coroá-lo na igreja de Notre Dame, em
Paris, nascia Allan Kardec, aos 3 de outubro de 1804, com a sagrada missão de
abrir caminho ao Espiritismo, a grande voz do Consolador prometido ao mundo
pela misericórdia de Jesus-Cristo.
195
XXIII
O século XIX
DEPOIS DA REVOLUÇÃO
Afastado Napoleão dos movimentos políticos da Europa,
adotam-se no Congresso de Viena, em 1815, as mais vastas providências para o
ressurgimento dos povos europeus. A diplomacia realiza memoráveis feitos,
aproveitando as dolorosas experiências daqueles anos de extermínio e de
revolução. Luís XVIII, conde de Provença, irmão de Luís XVI, é reposto no trono
francês, restabelecendo-se naquela mesma época antigas dinastias. Também a
Igreja é contemplada no grande inventário, restituindo-se-lhe os Estados onde
fundara o seu reino perecível. 196 EMMANUEL Um sopro de paz reanima aquelas
coletividades esgotadas na luta fratricida, ensejando a intervenção indireta
das forças invisíveis na reconstrução patrimonial dos grandes povos. Muitas
reformas, porém, se haviam verificado após os movimentos sanguinolentos
iniciados em 89. Mormente na França, semelhantes renovações foram mais vastas e
numerosas. Além de se beneficiar o governo de Luís XVIII com as imitações do
sistema inglês, vários princípios liberais da Revolução foram adotados, tais
como a igualdade dos cidadãos perante a lei, a liberdade de cultos,
estabelecendo-se, a par de todas as conquistas políticas e sociais, um regime
de responsabilidade individual no mecanismo de todos os departamentos do
Estado. A própria Igreja, habituada a todas as arbitrariedades na sua feição
dogmática, reconheceu a limitação dos seus poderes junto das massas,
resignando-se com a nova situação.
INDEPENDÊNCIA POLÍTICA DA AMÉRICA
A maioria dos povos do planeta, acompanhando o curso dos
acontecimentos, procurou eliminar os últimos resquícios do absolutismo dos
tronos, aproximando-se dos ideais republicanos ou instituindo o regime
constitucional, com a restrição de poderes dos soberanos. A América, destinada
a receber as sagradas experiências da Europa, para a civilização do futuro,
busca aplicar os grandes princípios dos filósofos franceses à sua vida
política, caminhando para a mais perfeita emancipação. Seguindo o exemplo das
colônias inglesas, os 197 A CAMINHO DA LUZ quatro vice-reinados da Espanha
procuraram lutar pela sua independência. No México os patriotas não toleraram
outra soberania além da própria e, no Sul, com a ação de Bolívar e com as
deliberações do Congresso de Tucumã, em 1816, proclamava-se a liberdade
política das províncias da América Meridional. O Brasil, em 1822, erguia
igualmente o seu brado de emancipação com Pedro I, sendo digno de notar-se o
esforço do plano invisível na manutenção da sua integridade territorial, quando
toda a zona sul do continente se fracionava em pequenas repúblicas, atento à
missão do povo brasileiro na civilização do porvir.
ALLAN KARDEC E OS SEUS COLABORADORES
O século XIX desenrolava uma torrente de claridades na face
do mundo, encaminhando todos os países para as reformas úteis e preciosas. As
lições sagradas do Espiritismo iam ser ouvidas pela Humanidade sofredora.
Jesus, na sua magnanimidade, repartiria o pão sagrado da esperança e da crença
com todos os corações. Allan Kardec, todavia, na sua missão de esclarecimento e
consolação, fazia-se acompanhar de uma plêiade de companheiros e colaboradores,
cuja ação regeneradora não se manifestaria tão-somente nos problemas de ordem
doutrinária, mas em todos os departamentos da atividade intelectual do século
XIX. A Ciência, nessa época, desfere os vôos soberanos que a conduziriam às
culminâncias do século XX. 198 EMMANUEL O progresso da arte tipográfica
consegue interessar todos os núcleos de trabalho humano, fundando-se
bibliotecas circulantes, revistas e jornais numerosos A facilidade de
comunicações, com o telégrafo e as vias férreas, estabelece o intercâmbio
direto dos povos. A literatura enche-se de expressões notáveis e imorredouras.
O laboratório afasta-se definitivamente da sacristia, intensificando as comodidades
da civilização. Constrói-se a pilha de coluna, descobre-se a indução magnética,
surgem o telefone e o fonógrafo. Aparecem os primeiros sulcos no campo da
radiotelegrafia, encontra-se a análise espectral e a unidade das energias
físicas da Natureza. Estuda-se a teoria atômica e a fisiologia assenta bases
definitivas com a anatomia comparada. As artes atestam uma vida nova. A pintura
e a música denunciam elevado sabor de espiritualidade avançada. A dádiva
celestial do intercâmbio entre o mundo visível e o invisível chegou ao planeta
nessa onda de claridades inexprimíveis. Consolador da Humanidade, segundo as
promessas do Cristo, o Espiritismo vinha esclarecer os homens, preparando-lhes
o coração para o perfeito aproveitamento de tantas riquezas do Céu.
AS CIÊNCIAS SOCIAIS
O campo da Filosofia não escapou a essa torrente renovadora.
Aliando-se às ciências físicas, não toleraram as ciências da alma o ascendente
dos dogmas absurdos da Igreja. As confissões cristãs, atormentadas e divididas,
199 A CAMINHO DA LUZ viviam nos seus templos um combate de morte. Longe de
exemplificarem aquela fraternidade do Divino Mestre, entregavam-se a todos os
excessos do espírito de seita. A Filosofia recolheu-se, então, no seu
negativismo transcendente, aplicando às suas manifestações os mesmos princípios
da ciência racional e materialista. Schopenhauer é uma demonstração eloqüente
do seu pessimismo e as teorias de Spencer e de Comte esclarecem as nossas
assertivas, não obstante a sinceridade com que foram lançadas no vasto campo
das idéias. A Igreja Romana era culpada de semelhantes desvios. Dominando a
ferro e fogo, conchegada aos príncipes do mundo, não tratara de fundar o
império espiritual dos corações à sua sombra acolhedora. Longe da
exemplificação do Nazareno, amontoara todos os tesouros inúteis, intensificando
as necessidades das massas sofredoras. Extorquia, antes de dar, conservando a
ignorância em vez de espalhar a luz do conhecimento.
A TAREFA DO MISSIONÁRIO
A tarefa de Allan Kardec era difícil e complexa. Competia-lhe
reorganizar o edifício desmoronado da crença, reconduzindo a civilização às
suas profundas bases religiosas. Atento à missão de concórdia e fraternidade da
América, o plano invisível localizou aí as primeiras manifestações tangíveis do
mundo espiritual, no famoso lugarejo de Hydesville, provocando os mais largos
movimentos de opinião. A fagulha partira das plagas americanas, 200 EMMANUEL
como partira igualmente delas a consolidação das conquistas democráticas A
Europa busca ambientar as idéias novas e generosas, que encontram o discípulo
no seu posto de oração e vigilância, pronto a atender aos chamamentos do
Senhor. Numerosos cooperadores diretos da sua tarefa auxiliam-lhe o esforço
sagrado, desdobrando-lhe as sínteses em gloriosos complementos. O orbe, com as
suas instituições sociais e políticas, havia atingido um período de grandiosas
transformações, que requeriam mais de um século de lutas dolorosas e
remissoras, e o Espiritismo seria a essência dessas conquistas novas,
reconduzindo os corações ao Evangelho suave do Cristianismo.
PROVAÇÕES COLETIVAS NA FRANÇA
Cumpre-nos assinalar as dolorosas provas da França, depois
dos seus excessos na Revolução e nas campanhas napoleônicas. Depois das
revoluções de 1830 e 1848, mediante as quais se efetuam penosos resgates por
parte dos indivíduos e das coletividades, surge a guerra franco-prussiana de
1870. A grande nação latina, por causas somente conhecidas no plano espiritual,
é esmagada e vencida pela orgulhosa Alemanha de Bismarck, que, por sua vez,
embriagada e cega no triunfo, ia fazer jus às dores amargas de 1914-1918.
Paris, que assistira com certa indiferença às dores dos condenados do Terror,
comparecendo aos espetáculos tenebrosos do cadafalso e aplaudindo os
opressores, sofre miséria e 201 A CAMINHO DA LUZ fome em 1870, antes de cair em
poder dos impiedosos inimigos, em 28 de janeiro de 1871. As imposições
políticas do imperador Guilherme, em Versalhes, e as amarguras coletivas do
povo francês nos dias da derrota, significam o resgate dos desvios da grande
nação latina.
PROVAÇÕES DA IGREJA
Aproximando-se o ano de 1870, que assinalaria a falência da
Igreja com a declaração da infalibilidade papal, o Catolicismo experimenta
provações amargas e dolorosas. Exaustos de suas imposições, todos os povos
cultos da Europa não enxergaram nas suas instituições senão escolas religiosas,
limitando-se-lhes as finalidades educativas e controlando-se-lhes o mecanismo
de atividades. Compreendendo que o Cristo não tratara de açambarcar nenhum
território do Globo, os italianos, naturalmente, reclamaram os seus direitos no
capítulo das reivindicações, procurando organizar a unidade da Itália sem a
tutela do Vaticano. Desde 1859, estabelecera-se a luta, que foi por muito tempo
prolongada em vista da decisão da França, que manteve todo um exército em Roma
para garantia do pontífice da Igreja. Mas a situação de 1870 obrigara o povo
francês a reclamar a presença dos guardas do Vaticano, triunfando as idéias de
Cavour e privando-se o papa de todos os poderes temporais, restringindo-se a
sua posse material. Começa, com Pio IX, a grande lição da Igreja. O período das
grandes transformações estava iniciado, e ela, que sempre ditara ordens 202
EMMANUEL aos príncipes do mundo, na sua sede de domínio, iria tornar-se
instrumento de opressão nas mãos dos poderosos. Observava-se um fenômeno
interessante. A Igreja, que nunca se lembrara de dar um título real à figura do
Cristo, assim que viu desmoronarem-se os tronos do absolutismo com as vitórias
da República e do Direito, construiu a imagem do Cristo-Rei para o cume dos
seus altares.
203
XXIV
O Espiritismo e as grandes transições
A EXTINÇÃO DO CATIVEIRO
O século XIX caracteriza-se por suas numerosas conquistas. A
par dos grandes fenômenos de evolução científica e industrial que o abalaram,
observam-se igualmente acontecimentos políticos de suma importância, renovando
as concepções sociais de todos os povos da raça branca. Um desses grandes
acontecimentos é a extinção do cativeiro. Cumprindo as determinações do Divino
Mestre, seus mensageiros do plano invisível laboram junto aos gabinetes 204
EMMANUEL administrativos, de modo a facilitar a vitória da liberdade. As
decisões do Congresso de Viena, reprovando o tráfico de homens livres,
encontrara funda repercussão em todos os países. Em 1834, o parlamento inglês
resolve abolir a escravidão em todas as colônias da Grã-Bretanha. Em 1850, o
Brasil suprime o tráfico africano. Na revolta de 1848, a França delibera a
extinção do cativeiro em seus territórios. Em 1861, Alexandre II da Rússia
declarava livres todos os camponeses que trabalhavam sob o regime da
escravidão, e, de 1861 a 1865, uma guerra nefanda devasta o solo hospitaleiro
dos Estados Americanos do Norte, na luta da secessão, que termina com a vitória
da liberdade e das idéias progressistas da grande nação da América.
O SOCIALISMO
Grandes idéias florescem na mentalidade de então. Ressurgem,
aí, as antigas doutrinas da igualdade absoluta. Aparece o socialismo propondo
reformas viscerais e imediatas. Alguns idealistas tocam a Utopia de Thomas
More, ou a República perfeita, idealizada por Platão. Fundam-se as alianças de
anarquismo, as sociedades de caráter universal. Uma revolução sociológica de
conseqüências imprevisíveis ameaça a estabilidade da própria civilização,
condenando-a à destruição mais completa. O fim do século que passou é o cenário
vastíssimo dessas lutas inglórias. Todas as ciências sociais são chamadas aos
grandes debates levados a efeito entre o capitalismo e o trabalho. 205 A
CAMINHO DA LUZ Onde se encontram, porém, as forças morais capazes de realizar o
grande milagre da elucidação de todos os espíritos? A Igreja Romana, que nutria
a civilização ocidental desde o seu berço, era, por força das circunstâncias, a
entidade indicada para resolver o grande problema. Todavia, após as afirmativas
do Sílabo e depois do famoso discurso do bispo Strossmayer, em 1870, no
Vaticano, quando Pio IX decretava a infalibilidade pontifícia, semelhante
equação era muito difícil por parte da Igreja. Entretanto, Leão XIII vem ao
campo da luta com a encíclica "Rerum Novarum", tentando conciliar o
braço e o capital, apontando a cada qual os seus mais sagrados deveres. Se o
efeito desse documento teve considerável importância para as classes mais
cultas do Velho e do Novo Mundo, tanto não se deu com as classes mais
desfavorecidas, fartas de palavras.
RESTABELECENDO A VERDADE
O Espiritismo vinha, desse modo, na hora psicológica das
grandes transformações, alentando o espírito humano para que se não perdesse o
fruto sagrado de quantos trabalharam e sofreram no esforço penoso da
civilização. Com as provas da sobrevivência, vinha reabilitar o Cristianismo
que a Igreja deturpara, semeando, de novo, os eternos ensinamentos do Cristo no
coração dos homens. Com as verdades da reencarnação, veio explicar o absurdo
das teorias igualitárias absolutas, cooperando na restauração do verdadeiro
caminho do progresso humano. Enquadrando o socialismo nos 206 EMMANUEL
postulados cristãos, não se ilude com as reformas exteriores, para concluir que
a única renovação apreciável é a do homem intimo, célula viva do organismo
social de todos os tempos, pugnando pela intensificação dos movimentos
educativos da criatura, à luz eterna do Evangelho do Cristo. Ensinando a lei
das compensações no caminho da redenção e das provas do indivíduo e da
coletividade, estabelece o regime da responsabilidade, em que cada espírito
deve enriquecer a catalogação dos seus próprios valores. Não se engana com as
utopias da igualdade absoluta, em vista dos conhecimentos da lei do esforço e
do trabalho individual, e não se transforma em instrumento de opressão dos
magnatas da economia e do poder, por consciente dos imperativos da
solidariedade humana. Despreocupado de todas as revoluções, porque somente a
evolução é o seu campo de atividade e de experiência, distante de todas as
guerras pela compreensão dos laços fraternos que reúnem a comunidade universal,
ensina a fraternidade legítima dos homens e das pátrias, das famílias e dos
grupos, alargando as concepções da justiça econômica e corrigindo o espírito
exaltado das ideologias extremistas. Nestes tempos dolorosos em que as mais
penosas transições se anunciam ao espírito do homem, só o Espiritismo pode
representar o valor moral onde se encontre o apoio necessário à edificação do
porvir. Enquanto os utopistas da reforma exterior se entregam à tutela de
ditadores impiedosos, como os da Rússia e da Alemanha, em suas sinistras
aventuras revolucionárias, prossegue ele, o Espiritismo, a sua obra educativa
junto das classes intelectuais e 207 A CAMINHO DA LUZ das massas anônimas e
sofredoras, preparando o mundo de amanhã com as luzes imorredouras da lição do
Cristo.
DEFECÇÃO DA IGREJA CATÓLICA
Desde 1870, ano que assinalou para o homem a decadência da
Igreja, em virtude da sua defecção espiritual no cumprimento dos grandes
deveres que lhe foram confiados pelo Senhor, nos tempos apostólicos, um período
de transições profundas marca todas as atividades humanas. Em vão o mundo
esperou as realizações cristãs, iniciadas no império de Constantino. Aliada do
Estado e vivendo à mesa dos seus interesses econômicos, a Igreja não cuidou de
outra coisa que não fosse o seu reino perecível. Esquecida de Deus, nunca
procurou equiparar a evolução do homem físico à do homem espiritual,
prendendo-se a interesses rasteiros e mesquinhos da política temporal. É por
isso que agora lhe pairam sobre a fronte os mais sinistros vaticínios.
LUTAS RENOVADORAS
O século XX surgiu no horizonte do Globo, qual arena ampla de
lutas renovadoras. As teorias sociais continuam seu caminho, tocando muitas
vezes a curva tenebrosa do extremismo, mas as revelações do além túmulo descem
às almas, como orvalho imaterial, preludiando a paz e a luz de uma nova era.
Numerosas transformações são aguardadas e o Espiritismo esclarece os corações,
reno- 208 EMMANUEL vando a personalidade espiritual das criaturas para o futuro
que se aproxima As guerras russo-japonesa e a européia de 1914-1918 foram
pródromos de uma luta maior, que não vem muito longe, e dentro da qual o
planeta alijará todos os Espíritos rebeldes e galvanizados no crime, que não
souberam aproveitar a dádiva de numerosos milênios, no patrimônio sagrado do
tempo. Então a Terra, como aquele mundo longínquo da Capela, ver-se-á livre das
entidades endurecidas no mal, porque o homem da radiotelefonia e do
transatlântico precisa de alma e sentimento, a fim de não perverter as sagradas
conquistas do progresso. Ficarão no mundo os que puderem compreender a lição do
amor e da fraternidade sob a égide de Jesus, cuja misericórdia é o verbo de
vida e luz, desde o princípio. Época de lutas amargas, desde os primeiros anos
deste século a guerra se aninhou com caráter permanente em quase todas as
regiões do planeta. A Liga das Nações, o Tratado de Versalhes, bem como todos
os pactos de segurança da paz, não têm sido senão fenômenos da própria guerra,
que somente terminarão com o apogeu dessas lutas fratricidas, no processo de
seleção final das expressões espirituais da vida terrestre.
A AMÉRICA E O FUTURO
Embora compelida a participar das lutas próximas, pelo
determinismo das circunstâncias de sua vida política, a América está des- 209 A
CAMINHO DA LUZ tinada a receber o cetro da civilização e da cultura, na
orientação dos povos porvindouros. Em torno dos seus celeiros econômicos,
reunir-se-ão as experiências européias, aproveitando o esforço penoso dos que
tombaram na obra da civilização do Ocidente para a edificação do homem espiritual,
que há de sobrepor-se ao homem físico do planeta, no pleno conhecimento dos
grandes problemas do ser e do destino. Para esse desiderato grandioso,
apresta-se o plano espiritual, no afã de elucidação dos nobres deveres
continentais. O esforço sincero de cooperação no trabalho e de construção da
paz não é aí uma utopia, como na Europa saturada de preconceitos
multisseculares. Nos campos exuberantes do continente americano estão plantadas
as sementes de luz da árvore maravilhosa da civilização do futuro.
JESUS
Há no mundo um movimento inédito de armamentos e munições.
Teria começado neste momento? Não. A corrida armamentista do século XX começou
antes da luta de Porto Artur, em 1904. As indústrias bélicas atingem
culminâncias imprevistas. Os campos estão despovoados. Os homens se recolheram
às zonas de concentração militar, esperando o inimigo, sem saber que o
adversário está em seu próprio espírito. A Europa e o Oriente constituem um
campo vasto de agressão e terrorismo, com exceção das Repúblicas Democráticas,
que se vêem obrigadas a grandes programas de rear- 210 EMMANUEL mamento, em
face do Moloque do extremismo. Onde os valores morais da Humanidade? As igrejas
estão amordaçadas pelas injunções de ordem econômica e política. Somente o
Espiritismo, prescindindo de todas as garantias terrenas, executa o esforço
tremendo de manter acesa a luz da crença, nesse barco frágil do homem ignorante
do seu glorioso destino, barco que ameaça voltar às correntes da força e da
violência, longe das plagas iluminadas da Razão, da Cultura e do Direito.
Convenhamos em que o esforço do Espiritismo é quase superior às suas próprias
forças, mas o mundo não está à disposição dos ditadores terrestres. Jesus é 9
seu único diretor no plano das realidades imortais, e agora que o mundo se
entrega a todas as expectativas angustiosas, os espaços mais próximos da Terra
se movimentam a favor do restabelecimento da verdade e da paz, a caminho de uma
nova era. Espíritos abnegados e esclarecidos falam-nos de uma nova reunião da
comunidade das potências angélicas do sistema solar, da qual é Jesus um dos
membros divinos. Reunir-se-á, de novo, a sociedade celeste, pela terceira vez,
na atmosfera terrestre, desde que o Cristo recebeu a sagrada missão de abraçar
e redimir a nossa Humanidade, decidindo novamente sobre os destinos do nosso
mundo. Que resultará desse conclave dos Anjos do Infinito? Deus o sabe. Nas
grandes transições do século que passa, aguardemos o seu amor e a sua
misericórdia.
211
XXV
O Evangelho e o futuro
Um modesto escorço da História faz entrever os laços eternos
que ligam todas as gerações nos surtos evolutivos do planeta. Muita vez, o
palco das civilizações foi modificado, sofrendo profundas renovações nos seus
cenários, mas os atores são os mesmos, caminhando, nas lutas purificadoras,
para a perfeição dAquele que é a Luz do princípio. Nos primórdios da
Humanidade, o homem terrestre foi naturalmente conduzido às atividades
exteriores, desbravando o caminho da natureza para a solução do problema vital,
mas houve um tempo em que a sua maioridade espiritual foi proclamada pela
sabedoria da Grécia e pelas organizações romanas. 212 EMMANUEL Nessa época, a
vinda do Cristo ao planeta assinalaria o maior acontecimento para o mundo, de
vez que o Evangelho seria a eterna mensagem do Céu, ligando a Terra ao reino
luminoso de Jesus, na hipótese da assimilação do homem espiritual, com respeito
aos ensinamentos divinos. Mas a pureza do Cristianismo não conseguiu manter-se
intacta, tão logo regressaram ao plano invisível os auxiliares do Senhor,
reencarnados no globo terrestre para a glorificação dos tempos apostólicos. O
assédio das trevas avassalou o coração das criaturas. Decorridos três séculos
da lição santificante de Jesus, surgiram a falsidade e a má-fé adaptando-se às
conveniências dos poderes políticos do mundo, desvirtuando-se-lhe todos os
princípios, por favorecer doutrinas de violência oficializada. Debalde enviou o
Divino Mestre seus emissários e discípulos mais queridos ao ambiente das lutas
planetárias. Quando não foram trucidados pelas multidões delinqüentes ou pelos
verdugos das consciências, foram obrigados a capitular diante da ignorância,
esperando o juízo longínquo da posteridade. Desde essa época, em que a mensagem
evangélica dilatava a esfera da liberdade humana, em virtude da sua maturidade
para o entendimento das grandes e consoladoras verdades da existência,
estacionou o homem espiritual em seus surtos de progresso, impossibilitado de
acompanhar o homem físico na sua marcha pelas estradas do conhecimento. É por
esse motivo que, ao lado dos aviões poderosos e da radiotelefonia, que ligam
todos 213 A CAMINHO DA LUZ os continentes e países da atualidade, indicando os
imperativos das leis da solidariedade humana, vemos o conceito de civilização
insultado por todas as doutrinas de isolamento, enquanto os povos se preparam
para o extermínio e para a destruição. É ainda por isso que, em nome do
Evangelho, se perpetram todos os absurdos nos países ditos cristãos. A
realidade é que a civilização ocidental não chegou a se cristianizar. Na França
temos a guilhotina, a forca na Inglaterra, o machado na Alemanha e a cadeira
elétrica na própria América da fraternidade e da concórdia, isto para nos
referirmos tão-somente às nações supercivilizadas do planeta. A Itália não
realizou a sua agressão à Abissínia, em nome da civilização cristã do Ocidente?
Não foi em nome do Evangelho que os padres italianos abençoaram os canhões e as
metralhadoras da conquista? Em nome do Cristo espalharam-se, nestes vinte
séculos, todas as discórdias e todas as amarguras do mundo. Mas é chegado o
tempo de um reajustamento de todos os valores humanos. Se as dolorosas
expiações coletivas preludiam a época dos últimos ''ais'' do Apocalipse, a
espiritualidade tem de penetrar as realizações do homem físico, conduzindo-as
para o bem de toda a Humanidade. O Espiritismo, na sua missão de Consolador, é
o amparo do mundo neste século de declives da sua História; só ele pode, na sua
feição de Cristianismo redivivo, salvar as religiões que se apagam entre os
choques da força e da ambição, do egoísmo e do domínio, apontando ao homem os
seus verdadeiros caminhos. 214 EMMANUEL No seu manancial de esclarecimentos,
poder-se-á beber a linfa cristalina das verdades consoladoras do Céu,
preparando-se as almas para a nova era. São chegados os tempos em que as forças
do mal serão compelidas a abandonar as suas derradeiras posições de domínio nos
ambientes terrestres, e os seus últimos triunfos são bem o penhor de uma reação
temerária e infeliz, apressando a realização dos vaticínios sombrios que pesam
sobre o seu império perecível. Ditadores, exércitos, hegemonias econômicas,
massas versáteis e inconscientes, guerras inglórias, organizações seculares,
passarão com a vertigem de um pesadelo. A vitória da força é uma claridade de
fogos de artifício. Toda a realidade é a do Espírito e toda a paz é a do
entendimento do reino de Deus e de sua justiça. O século que passa efetuará a
divisão das ovelhas do imenso rebanho. O cajado do pastor conduzirá o
sofrimento na tarefa penosa da escolha e a dor se incumbirá do trabalho que os
homens não aceitaram por amor. Uma tempestade de amarguras varrerá toda a
Terra. Os filhos da Jerusalém de todos os séculos devem chorar, contemplando
essas chuvas de lágrimas e de sangue que rebentarão das nuvens pesadas de suas
consciências enegrecidas. Condenada pelas sentenças irrevogáveis de seus erros
sociais e políticos, a superioridade européia desaparecerá para sempre, como o
Império Romano, entregando à América o fruto 215 A CAMINHO DA LUZ das suas
experiências, com vistas à civilização do porvir. Vive-se agora, na Terra, um
crepúsculo, ao qual sucederá profunda noite; e ao século XX compete a missão do
desfecho desses acontecimentos espantosos. Todavia, os operários humildes do
Cristo ouçamos a sua voz no âmago de nossa alma: "Bem-aventurados os
pobres, porque o reino de Deus lhes pertence! Bem-aventurados os que têm fome
de justiça, porque serão saciados! Bem-aventurados os aflitos, porque chegará o
dia da consolação! Bem-aventurados os pacíficos, porque irão a Deus!" Sim,
porque depois da treva surgirá uma nova aurora. Luzes consoladoras envolverão
todo o orbe regenerado no batismo do sofrimento. O homem espiritual estará
unido ao homem físico para a sua marcha gloriosa no Ilimitado, e o Espiritismo
terá retirado dos seus escombros materiais a alma divina das religiões, que os
homens perverteram, ligando-as no abraço acolhedor do Cristianismo restaurado.
Trabalhemos por Jesus, ainda que a nossa oficina esteja localizada no deserto
das consciências. Todos somos dos chamados ao grande labor e o nosso mais
sublime dever é responder aos apelos do Escolhido. Revendo os quadros da
História do mundo, sentimos um frio cortante neste crepúsculo 216 EMMANUEL
doloroso da civilização ocidental. Lembremos a misericórdia do Pai e façamos as
nossas preces. A noite não tarda e, no bojo de suas sombras compactas, não nos
esqueçamos de Jesus, cuja misericórdia infinita, como sempre, será a claridade
imortal da alvorada futura, feita de paz, de fraternidade e de redenção.
217 Conclusão Meus amigos, Deus vos conceda muita paz.
Agradeço a vossa colaboração, em face de mais este esforço humilde do nosso
grupo na propagação dos grandes postulados do Espiritismo evangélico, como
agradeço também à misericórdia divina o bendito ensejo que nos foi concedido.
Em nosso modesto estudo da História, um único objetivo orientou as nossas
atividades - o da demonstração da influência sagrada do Cristo na organização
de todos os surtos da civilização do planeta, a partir da sua escultura
geológica. Nossa contribuição pode pecar pela síntese excessiva, mas não
tínhamos em vista uma nova autópsia da História do Globo em suas expressões
sociais e políticas, e sim revelar, 218 EMMANUEL mais uma vez, os ascendentes
místicos que dominam os centros do progresso humano, em todos os seus
departamentos. Sinto-me feliz com a vossa colaboração dedicada e amiga. Algum
dia, Deus me concederá a alegria de falar dos laços que nos unem de épocas
remotas, porque não é sem razão que nos encontramos reunidos e irmanados no mesmo
trabalho e ideal. Reitero-vos, aqui, meu agradecimento comovido e sincero.
Quando lá fora se prepara o mundo para as lutas mais dolorosas e mais rudes,
devemos agradecer a Jesus a felicidade de nos conservarmos em paz em nossa
oficina, sob a égide do seu divino amor. Prometemos, tão logo seja possível, um
ensaio no gênero romântico. (*) Permitirá Deus que sejamos felizes. Assim o
espero, porque não ponho em dúvida a sua infinita misericórdia. Que Deus vos
guie e abençoe, conservando-vos a tranqüilidade sagrada dos lares e dos
corações. EMMANUEL (Mensagem recebida em 21/ 9/1938.) __________ (*) Refere-se
ao "romance" de sua vida de patrício romano e legado na Judéia ao
tempo do Cristo, obra já concluída e publicada em dois volumes, que são Há Dois
Mil Anos e 50 Anos Depois. - (Nota da Editora.)
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